São Paulo, segunda-feira, 5 de fevereiro de 1996
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Adversários apontam risco de dependência

DA REPORTAGEM LOCAL

Os adversários do projeto do gasoduto dizem que o Brasil se tornará fortemente dependente de uma só fonte de suprimento, o que é desvantajoso para o país.
Além disso, apontam o fato de o principal sócio da YPFB (Yacimientos Petroliferos Fiscales Bolivianos) no gasoduto ser a Enron Development Corporation, multinacional norte-americana. "As decisões dessa empresa poderão não coincidir com os interesses brasileiros", diz o engenheiro Fernando Siqueira, presidente da Aepet.
A influência da Enron junto ao governo boliviano, segundo Siqueira, ficou clara na renegociação do acordo durante o governo Itamar Franco. "O aumento do diâmetro do gasoduto e do preço do gás foram exigências da Enron."
A multinacional é dona de dois grandes campos de gás no sul da Argentina (em Neuquén e Terra do Fogo), cujas reservas superam 400 bilhões de m3 (mais da metade das reservas totais da Argentina).
Na Bolívia, a Enron adquiriu reservas de 150 bilhões de m3 e, atualmente, negocia a compra de campos de gás em Camisea, no Peru. Esses campos, descobertos pela Shell em 1983 e inaproveitados até agora, têm reservas estimadas em 350 bilhões de m3. A Enron já vende 20% do gás disponível no mundo.
Siqueira vê o risco de as reservas de gás da América Latina serem monopolizadas, e o Brasil, principal cliente potencial do gás, ficar em posição desfavorável para negociar preço.
A multinacional teve cancelado, em agosto de 1995, o contrato que havia assinado na Índia, no valor de US$ 2,8 bilhões, para a construção de uma hidrelétrica. O governador do Estado de Maharashtra, onde seria construída a usina, disse que não houve licitação para o projeto e acusou a Enron de superfaturar a obra.
"A única forma de escoar o gás que as multinacionais compraram é criar mercado no Brasil", afirma Siqueira. Segundo o engenheiro, o Banco Mundial, um dos financiadores do projeto, está afinado com esses interesses.
"Apesar de vozes discordantes, como a do consultor Fernando Zúñiga y Rivero, o Banco Mundial também pressionou pela construção do gasoduto. Credor da Bolívia, o banco vê na venda do gás ao Brasil a maneira mais garantida de a Bolívia saldar sua dívida", diz.
Apesar de todas as restrições, as autoridades brasileiras apressaram a assinatura do acordo.
Quando era presidente, alertado sobre falhas do projeto, Itamar Franco ameaçou desistir da viagem a Cochabamba, em 1993, em que formalizaria o acordo.
Mas recuou diante dos conselhos de seu então ministro das Relações Exteriores, Fernando Henrique Cardoso.
O ministro teria aconselhado o presidente a não cancelar a assinatura do contrato porque isso poderia prejudicar as relações entre o Brasil e a Bolívia.

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