São Paulo, segunda-feira, 5 de fevereiro de 1996
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Agruras da globalização

LUÍS NASSIF

Ainda não foram devidamente analisadas as implicações para a Colgate do julgamento da compra da Kolynos pelo Cade (Conselho de Defesa Econômica).
A Colgate é uma multinacional que fatura US$ 8 bilhões por ano. Pagou US$ 1,2 bilhão pela Kolynos -mais que o dobro de sua avaliação de mercado. O chamado "goodwill" da companhia residia no fato de possibilitar à Colgate fechar as portas do mercado brasileiro a qualquer outro concorrente internacional, pelo domínio de mais de 80% do mercado nacional de dentifrícios.
O risco implícito de o Cade obrigar a anulação da compra certamente não foi bancado pela vendedora. Caso seja obrigada a revender a Kolynos, a Colgate terá que amargar o prejuízo do "spread" pago -já que a compra da empresa não mais virá acompanhada do controle do mercado.
Pela proporção dos valores, pode-se perceber que o malogro da operação poderá deixar a Colgate internacional em maus lençóis. E comprovar que, no processo de globalização da economia, as multinacionais que não perceberem os avanços institucionais das economias emergentes -especialmente nas áreas ambientais e de defesa do direito econômico- correm o risco de quebrar a cara.
John Cotrim
Longe do colunista qualquer forma de xenofobia. Mas os jornais divulgaram necrológios extensivos de Jamie Uys, sul-africano diretor de cinema, de Henry Lewis, maestro negro norte-americano. Nada contra os artistas.
Na semana retrasada, a morte de John Cotrim não mereceu mais do que anúncios pagos de falecimento. Cotrim foi um dos pais do sistema elétrico brasileiro -um dos poucos setores onde o país pode se orgulhar de ter construído reputação internacional.
Não apenas pela infra-estrutura implantada, coube à geração de Cotrim papel fundamental na definição do planejamento industrial brasileiro.
A noção de planejamento industrial, o BNDES, o Plano de Metas de JK, os programas posteriores de industrialização, tudo passa pela semente plantada por esses desbravadores.
A omissão não diminui Cotrim -cujo nome já está registrado na história. Apenas prejudica o processo de consolidação de valores históricos, base da construção de toda grande nação.
Falta de crédito
A coluna ouviu do presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, que até meados do mês o BC pretende apresentar nova proposta de renegociação das dívidas de pessoas físicas, pequenas e médias empresas junto ao setor financeiro.
Loyola avançou inclusive os pontos principais da proposta: acerto com a Febraban, para impedir a repetição do malogro da primeira negociação, e a possibilidade de se discutir a redução dos encargos sobre crédito.
A nota saiu na sexta passada. No sábado houve a chamada "repercussão" -processo pelo qual o jornal sai atrás de desdobramentos da notícia. Em vez de procurar o BC -onde os estudos estão sendo realizados- procurou-se o secretário nacional de Economia, José Roberto Mendonça de Barros, que, pelo teor da entrevista, desconhecia o tema -que não é de sua alçada direta.
No dia seguinte, desmentido cabal da nota publicada pela coluna.
A repercussão esqueceu-se de uma pequena verdade cartesiana: tudo o que conheço, existe; nem tudo que não conheço, necessariamente não existe. Portanto, para conferir se um fato é verdadeiro ou não, o local de repercussão correto é a fonte que está diretamente trabalhando com o fato.

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