São Paulo, terça-feira, 6 de fevereiro de 1996
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Quem maquia os balanços

CELSO PINTO

Se houve algum efeito positivo nas quebras dos bancos Nacional e Econômico, foi trazer à tona a discussão de algo que sempre foi varrido para baixo do tapete: a maquiagem dos balanços e a responsabilidade das empresas de auditoria.
Colocadas contra a parede pelo projeto do governo que prevê duras punições para auditoras que ajudem a maquiar balanços, o setor tem contra-atacado, discutindo a responsabilidade das normas e das próprias autoridades para a ficção contábil. Bom para o público.
A Ernst & Young, auditora do Banco Econômico, que enfrenta um processo ético e disciplinar no Conselho Regional de Contabilidade da Bahia, por ter endossado o balanço de junho do banco, é um bom exemplo.
O BC acha que a auditora deveria ter feito uma ressalva no balanço sobre os problemas para a continuidade do Econômico.
George Roth, presidente da Ernst & Young, diz que não precisava ter feito esta ressalva porque havia um "fator compensatório" à deterioração do Econômico: o fato de o BC estar dando, até então, pleno respaldo e estar apoiando a negociação de uma saída para o banco.
A auditora não poderia mencionar este fato no balanço, por razões éticas, mas, como diz Roth, "nós sempre trabalhamos a três: nós, o Econômico e o BC".
O BC, hoje se sabe, já sabia da situação precária do Econômico desde o início de 1994.
Negociou um plano de capitalização que nunca foi integralmente cumprido. Mesmo assim, decidiu ajudar o banco até a véspera da intervenção.
O BC pode alegar razões de política econômica, ou medo de uma crise sistêmica, mas e a empresa de auditoria?
A rigor, a auditora é a guardiã do interesse de quem quer que tenha alguma relação com a empresa ou banco que audita.
Se o BC apóia um banco, depois deixa ele quebrar, a responsabilidade da auditora não desaparece porque a autoridade mudou de idéia.
Roth usa dois argumentos a seu favor no caso Econômico. Como sua empresa não era a auditora das empresas não-financeiras e internacionais do grupo, ela não tinha acesso a todo o quadro.
No fatídico balanço de junho do ano passado, pouco antes da quebra, a auditora fez a ressalva que o lucro vinha das controladas não-financeiras. Sem elas, o banco teria prejuízo.
Além disso, a diferença de R$ 1,8 bilhão entre o passivo circulante e o ativo circulante em junho era uma pista, para bons leitores de balanço, da falta de liquidez.
O fato, contudo, é que o banco quebrou, acionistas e depositantes saíram perdendo. Será que o balanço era claro e refletia os enormes problemas do banco?
Roth é o primeiro a reconhecer que os balanços, especialmente das instituições financeiras, são confusos, até para especialistas, e que as normas podem levar a perigosos mal-entendidos.
Ele defende uma nomenclatura mais clara e a abertura de informações relevantes sobre empréstimos: concentração por região, tomador, segmento, volume e idade média da operação.
Ainda mais importante são as normas para repactuação que, na prática, podem ajudar muito a maquiagem dos resultados.
O BC tem normas que exigem provisões se um empréstimo está inadimplente por mais de 60 dias. No entanto, se é feita uma "repactuação" deste empréstimo, tudo volta à estaca zero.
Bancos que querem esconder problemas, fazem repactuações constantes, refinanciando juros não pagos. Empurram o problema para frente, incham os lucros e maquiam os balanços. Tudo dentro das normas flexíveis em vigor.
Várias "maquiagens" surgiram do próprio governo. Antoninho Trevisan, da Trevisan & Associados, argumenta que, historicamente, o governo tem visto a contabilidade como um instrumento para impor sua vontade política.
Desde os tempos em que o ex-ministro das Minas e Energia, Shigeaki Ueki, ajudou a Petrobrás a transformar prejuízos com uma desvalorização cambial em aumento de patrimônio, pela portaria 471.
A lista de normas oficiais que nasceram para ajudar estatais ou setores, atropelando a contabilidade (e, portanto, o interesse coletivo pela transparência) é vasta.
Trevisan lembra a norma de 94 que autoriza os bancos a considerar gastos com "modernização" como acréscimo de patrimônio, diferível em cinco anos -dentro do velho espírito de Ueki.
Houve, no passado, normas para diferir perdas cambiais e imobiliárias. Outra norma famosa permite que os bancos contabilizem pelo valor de face títulos da dívida brasileira que, num certo momento, valiam menos de 30% no mercado.
Nada disso diminui a responsabilidade dos auditores, ou a "perda de credibilidade", como admite Trevisan, sofrida com as quebras do Econômico e do Nacional.
Apenas acrescenta novas áreas de debate em favor do público.

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