São Paulo, terça-feira, 6 de fevereiro de 1996
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A democracia eletrônica

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

A democracia brasileira está consolidada nas urnas, mas ainda roda em falso quando o tema é informação pública.
Públicos são, ou deveriam ser, todos os dados referentes às esferas de governo federal, estadual e municipal. Entretanto, mais do que os sigilos bancário e fiscal, é outro, não-previsto em lei, que impede o acesso a boa parte dos números oficiais: o sigilo burocrático.
O cidadão que quiser descobrir quanto sua cidade vai receber de verbas do Orçamento federal em 96 terá de mergulhar nas mais de 1.500 páginas da proposta do governo e em milhares de outras com emendas dos parlamentares.
A tarefa só não é hercúlea para um computador. Um bom programa de banco de dados é capaz de achar a informação desejada, desde que o cidadão possua a íntegra do Orçamento e de suas emendas em formato eletrônico.
Esse pequeno detalhe faz a diferença, hoje, entre um cidadão e um burocrata ou um parlamentar. Esses últimos têm meios de ter acesso fácil àquela informação. O cidadão não tem, depende da boa vontade deles. Mais do que nunca, informação é poder.
O Orçamento federal -mais conhecido no Brasil como parque de diversões de alguns anões- é o assunto mais importante no Congresso norte-americano. A ponto de o presidente Bill Clinton promover um locaute no governo por causa de uma briga com a oposição em torno da distribuição de verbas orçamentárias.
Um brasileiro com acesso à rede de computadores Internet pode assistir, com inveja, a debates acirrados e bem-informados entre cidadãos norte-americanos sobre a pendenga do Orçamento. E os argumentos são recheados de números que, por aqui, seriam quase inacessíveis.
A diferença não está só na mídia dos dois países. Os jornais norte-americanos dedicam mais espaço a como o dinheiro público será gasto, mas os cidadãos não dependem só deles para ter acesso às informações. Elas estão disponíveis em bancos de dados governamentais, principalmente através da Internet.
É claro que no Brasil o acesso à informação por meio de um computador ainda é exceção. Segundo pesquisa da FGV, em maio do ano passado havia cerca de 3,3 milhões de microcomputadores no país -boa parte desconectada de qualquer rede de informação.
Mas o futuro deve reverter esse quadro. Seja porque o computador virou moda (foram vendidos cerca de 1 milhão de PCs em 95), seja porque a oferta de informação eletrônica está aumentando.
Até o governo brasileiro entrou na Internet. Alguns ministérios têm páginas com informações úteis, como a arrecadação mensal de impostos federais. Mas são poucos. A maioria usa o espaço mais como propaganda do que como meio de divulgação de informação.
As condições materiais existem para o governo disponibilizar eletronicamente todas as informações não-sigilosas. Falta vontade política aos governantes. Como aquele ministro brasileiro que, numa reunião de banqueiros nos EUA, disse que certos dados oficiais devem ser restritos a pessoas sofisticadas.
Quando esses dados estiverem facilmente acessíveis à imprensa, organizações não-governamentais, sindicatos, empresas e outros grupos de pressão, o Brasil poderá ter uma democracia da informação, uma democracia eletrônica.

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