São Paulo, quarta-feira, 7 de fevereiro de 1996
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Justiça e liberdade de expressão

ALTAIR BRASIL

De duas décadas para cá, cresceu muito no país a publicação de obras de não-ficção. Essa tendência tem sido marcada, principalmente, por bibliografias e livros-reportagem, gêneros literários que conduzem ao debate de assuntos importantes da nossa realidade atual. É um reflexo dos novos tempos vivenciados no Brasil, com uma sociedade pluralista e livre para expressar as mais variadas linhas de pensamento e interpretação.
Porém volta e meia acontece um retrocesso inesperado, que invariavelmente carece de explicações convincentes e racionais. De 79 até hoje, 12 obras foram apreendidas por força de ações judiciais impetradas por patrulhadores da livre expressão. Em todos os casos, os que se sentem atingidos pelas informações contidas nos livros argumentam que reivindicaram a apreensão amparados pela lei. O que não dá para entender é que o livro, depois de pronto, seja distribuído às livrarias e depois recolhido de forma arbitrária.
Na verdade, estão podando a produção literária erroneamente. Não é o livro que deve ser julgado, mas quem o escreveu. Ora, se alguém se diz atingido por alguma citação em determinada obra literária, que peça, via Justiça, explicações ao autor, que, por outro lado, deve ter todo o direito de se defender. Além disso, independentemente do ônus da prova, não se pode tirar a liberdade do leitor de conhecer a versão relatada na obra em questão. Tampouco se pode pressionar o autor a rever o que para ele já é definitivo. Pelo menos, até que provem o contrário.
Em muitos países de democracia estabelecida há mais de um século, a biografia desautorizada é tão comum quanto a obra conduzida pelo biografado. E ninguém é punido por causa disso, até que se prove a existência de calúnia, injúria e difamação. Por vezes, muitos nem reclamam na Justiça, porque reconhecem a seriedade do trabalho e a obstinação do autor em escrever a realidade e esclarecer à sociedade assuntos repletos de objeções.
Em alguns casos, até mesmo os mais atingidos preferem que a própria opinião pública faça seu julgamento. Isso é o exercício pleno da democracia.
Recentemente, a família de Garrincha foi à Justiça pedir a apreensão do livro do jornalista Ruy Castro, sob alegação de que a imagem do atleta estava sendo corroída. No exercício pleno da democracia, não se pode tirar o direito de contestação de obras literárias.
Da mesma forma, não se pode proibir que sejam lidas pelo cidadão comum. Isso é querer ocultar a opinião e o direito de pensamento.

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