São Paulo, quarta-feira, 7 de fevereiro de 1996
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Flexibilização não combate desemprego estrutural

DEMIAN FIOCCA; ORIETE GERIN LEITE

DEMIAN FIOCCA e ORIETE GERIN LEITE
Já existe razoável produção acadêmica sobre como enfrentar o desemprego estrutural ou tecnológico. Ruy Fausto -ver "A pós-grande indústria nos Grundrisse (e para além deles)", revista "Lua Nova" nº 19- fornece, com extremo rigor, base teórica para a noção de que o atual estágio de desenvolvimento econômico está reduzindo a necessidade de trabalho a um ponto crítico.
Considerando que o desemprego estrutural e a deterioração da qualidade do emprego são tendências mundiais e de longo prazo, Guy Aznar ("Trabalhar menos para trabalharem todos", ed. Scritta) propõe redução da jornada de trabalho combinada com ampliação dos mecanismos de proteção social para os setores de baixa renda.
Segundo André Gorz (edições em francês e artigo "Quem não tiver trabalho, também terá o que comer", revista do Instituto de Estudos Avançados da USP), deve-se aceitar que o rendimento total do indivíduo não seja estritamente proporcional a seu tempo de trabalho. Pois, para os que já ganham pouco, há um limite de quanto a desejável redução da jornada pode ser acompanhada de salários correspondentemente menores.
No Brasil, os recentes acordos alcançados no ABCD são bons parâmetros para os setores com faixa salarial média, distantes da linha de pobreza. Em linhas gerais, o tradicional aumento real de salários devido aos ganhos de produtividade foi substituído pela redução da jornada. O período semanal passou de 44 para 40 horas na Scania e de 44 para 42 horas na Ford. Desse modo, logrou-se evitar que mais vagas fossem extintas.
A flexibilização da legislação trabalhista, permitindo que empresas e sindicatos negociem contratos coletivos de trabalho, agiliza a transferência de trabalhadores entre setores e facilita a adaptação às modernas condições de produção (instituindo itens como a variação da jornada entre períodos de maior e menor demanda).
Sindicatos de setores mais avançados, como metalúrgicos, já realizam, na prática, um espécie de contrato coletivo. Para os menos organizados, porém, a CLT ainda representa uma garantia.
Mesmo que seja positiva e desejável para os setores mais avançados, a flexibilização não inibe nem compensa a queda na necessidade global de trabalho. Não ataca, portanto, o desemprego estrutural. Flexibilização é diferente de redução de obrigações trabalhistas.
A redução das taxas e contribuições cobradas sobre a folha de pagamentos, esta sim, evita que o ritmo das inovações poupadoras de mão-de-obra ganhe um estímulo adicional. Nesse sentido, é desejável que as receitas para as áreas sociais sejam arrecadadas de outras formas.
Aposentadorias, seguro-desemprego e mesmo um programa de renda mínima podem ser custeados, por exemplo, por tributos sobre o faturamento, ativos, fortunas, operações financeiras ou alíquotas progressivas de IR sobre os altos rendimentos.
Se, porém, em nome da redução de encargos sobre a folha, fossem subtraídos recursos da seguridade social, seriam agravados os problemas relacionados à precarização do emprego, outra face do desemprego estrutural.
Vários autores -e, em verdade, toda uma tradição do pensamento ocidental- vêem favoravelmente a perspectiva de que o homem deixe de ser tão completamente absorvido pelo trabalho e dedique mais tempo ao lazer, à cultura, ao cultivo de qualidades pessoais.
Nesse sentido, a redução da jornada seria não só uma imposição do avanço tecnológico, mas uma oportunidade.
Na Europa, onde a seguridade social é muito superior à do Brasil e a jornada de trabalho já é inferior a 40 horas semanais, o debate sobre o desemprego centraliza as atenções. Nos EUA, a deterioração dos salários e benefícios da classe média é apontada como causa do voto oposicionista, que derrotou Bush e, em seguida, os democratas nas eleições legislativas.
Também no Brasil a redução da jornada de trabalho e a ampliação da seguridade social são os meios para combater o drama do desemprego tecnológico e os efeitos sociais negativos da precarização das condições de trabalho. Fora disso, a expressão "desemprego estrutural" continuará a ser apenas uma evasiva do governo para não atacar o problema.

DEMIAN FIOCCA, 27, é economista e pós-graduando do curso de Economia da Universidade de São Paulo (USP).
ORIETE GERIN LEITE, 24, é economista e pós-graduanda do curso de Economia da USP.

Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna de André Lahoz

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