São Paulo, quarta-feira, 7 de fevereiro de 1996
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Agricultura na real

PEDRO DE CAMARGO NETO

O aumento do poder aquisitivo, em particular de alimentos, foi um dos pontos positivos de 1995. Sem sombra de dúvidas, alimentar adequadamente uma população de baixa renda é o grande desafio da agricultura brasileira.
A queda de preços dos alimentos favorece a sociedade como um todo. O salário real cresce e o país torna-se mais competitivo, sem necessidade de alterar a relação cambial. Está aqui a alma da importância da agricultura em qualquer economia. Será, porém, estável esse importante ganho de 95?
A safra colhida, plantada antes dos efeitos do Real, ficou conhecida como a âncora verde do plano de estabilização. Para o futuro, as estimativas de área plantada e produção apresentadas pelo governo mostram uma redução de menos de 10%. Espero que as estimativas estejam corretas. O país precisaria de muito mais do que isso.
A visão imediatista de abastecimento, pela qual se analisa unicamente se vai ou não faltar produto no próximo ano, está muito longe de uma verdadeira política de segurança alimentar. O Brasil tem usado e abusado das importações, na pretensão de regular seu abastecimento no distorcido mercado internacional.
É preciso analisar a questão da produção no médio prazo. Nesse ponto, os índices de preços recebidos (IPR) e índices de preços pagos (IPP) pelos agricultores, elaborados pelo Centro de Estudos Agrícolas da Fundação Getúlio Vargas, mostram-se muito interessantes (veja quadro).
Os preços recebidos pelos agricultores subiram menos de 8% desde a vigência do Real, enquanto os preços pagos subiram quase 34%, com destaque para a mão-de-obra, que subiu 116%.
Uma análise dos últimos 12 meses também mostra enorme distorção. Os preços recebidos caíram 4% (112,3 para 107,6), enquanto os preços pagos subiram 22% (109,2 para 133,8).
Os números acima de maneira nenhuma são fruto de ajuste estrutural, resultado de inovações tecnológicas, aumento de produtividade ou essenciais reformas legais. Até mesmo não existiu tempo hábil para isso. Refletem unicamente a violência com que foi tratado o setor e o imediatismo do governo.
O Real tem características que afetam diretamente a formação de preços do setor. Caberia ao governo providenciar intervenções compensatórias, minimizando perdas e estabilizando a produção futura.
O Plano Real alcançou o campo em processo de profundas transformações. Uma série de malsucedidos planos econômicos, aliada à ausência de investimentos públicos, vinha provocando acentuada marginalização social.
O Real acelerou o processo. O escorchante juro tem um enorme impacto no setor, fruto da característica sazonal dos estoques agrícolas, além de sua influência no câmbio e seus efeitos na desorganizada abertura econômica. A importante perda de renda do setor provocou, além da sempre lembrada inadimplência de produtores, um enorme desemprego rural.
Não se trata de propagar o caos. Não faltará comida. A agricultura se ajusta e as importações de 1996 serão maiores do que as de 1995, que foram maiores do que as de 1994. Os preços acabarão subindo, até mesmo porque os recursos dos agricultores são finitos e o mercado internacional, embora grande, é pequeno para um país de 150 milhões de consumidores.
É lamentável, porém, o desperdício que representa deixar o setor se ajustar por si só sem utilizar políticas viáveis de estabilização.
Não acuso aqui o governo de ser neoliberal, até mesmo por rejeitar títulos simplistas e de pouco significado. O governo tem utilizado seu poder de intervenção de maneira importante nos setores que quer ou foi levado a querer por pressões. O Proer do sistema financeiro custa uma fábula -aliás, muito pouco discutida com a opinião pública ou o Congresso. Inúmeros setores industriais têm conseguido intervenções importantes, neutralizando a questão cambial e a abertura ao exterior.
Para a agricultura, tem sido alardeado que recebeu a securitização das dívidas, programa que equaciona, no máximo, efeitos e não causas. Mesmo aqui, o primeiro grande beneficiário foi o Banco do Brasil e o grande esquecido, o produtor desatrelado do crédito oficial, quer seja ele grande, médio, pequeno ou na subsistência.
O descaso com a agricultura representa enorme desperdício na retomada de um desenvolvimento econômico equilibrado. A agricultura é o único setor capaz de elevar a renda de toda a população.
Exige, porém, estabilidade e a dispersão de preços acima demonstra estar muito longe disso. A procura da estabilidade e a compensação por excessos do Plano Real inexistiram e, infelizmente, o país pagará o preço desse descaso.

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