São Paulo, quarta-feira, 7 de fevereiro de 1996
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Censura não

Parece um grave equívoco a decisão judicial que impede o cantor norte-americano Michael Jackson de filmar um clipe numa favela carioca. A liminar, atentatória à Constituição, restabelece no país a hedionda figura da censura prévia.
A Carta é clara ao afirmar a plena liberdade de criação artística. Ainda que se argumente que a Lei Magna vale apenas para os brasileiros ou estrangeiros aqui residentes, cumpre lembrar que os princípios da razoabilidade, da reciprocidade e da tradição histórica -este que remonta pelo menos à Roma Antiga- garantem a um turista certos direitos semelhantes aos concedidos aos cidadãos. De outra forma, um brasileiro passeando por Nova York poderia ser assaltado sem poder queixar-se à polícia local.
A decisão é tanto mais estranha porque, até onde se tem notícia, o plano de Jackson não foi em nenhum momento violar "o direito de imagem dos moradores da favela", como afirma a petição, mas tão somente mostrar a realidade e, como é natural, posar de bom moço num momento em que sua imagem pessoal vem sofrendo vários reveses. De resto, a liminar chegou mesmo a desagradar a Associação dos Moradores do Morro Dona Marta, onde o clipe deveria ser filmado.
Ainda que um musical mostrando a miséria dos morros de fato não contribua para a melhoria da imagem do Brasil no exterior, a volta da censura prévia pode piorá-la ainda mais. Mostrar as mazelas nacionais tais quais elas são é sinal de maturidade e consciência dos próprios problemas. A única estratégia que não se deve adotar é a de tapar o sol com a peneira.

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