São Paulo, quarta-feira, 7 de fevereiro de 1996
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De heróis

CLÓVIS ROSSI

DAVOS - Fui à entrevista coletiva de Bill Gates, o homem da Microsoft, como típico Maria-vai-com-as-outras. O instinto dizia que o rapaz não tinha nada de novo a contar, depois de tantos artigos, entrevistas, aparições na TV.
Mas, na sala de imprensa do Fórum Econômico Mundial, todo o mundo dizia que seria uma das sensações de um encontro já carregado de personalidades.
O instinto estava certo. Pior: que me perdoem os "micreiros", mas esse herói dos tempos modernos não passa de um chato.
Monotemático, fala em "bitequês", mecânico, sem um milímetro sequer de carisma. Sabe, claro, ganhar dinheiro. Nada contra, mas nada inesquecível.
Sorte que, em seguida, houve uma sessão intitulada "Quem são nossos heróis?".
Surpresa: sala superlotada, apesar de o Fórum ser um encontro predominantemente de homens de negócio e autoridades de vários escalões.
Os palestrantes falam de coisas que parecem pertencer a outro universo, a outros tempos. Exemplo: John O'Neil, presidente da Escola de Psicologia Profissional da Califórnia (EUA). Herói, para ele, foi Nelson Mandela, não o presidente sul-africano, mas o prisioneiro que, nos 27 anos de cadeia, enfrentou "a escura noite da alma" e saiu inteiro.
Quem consegue satisfazer a si próprio nessas horas escuras de encontro com a alma é o herói, ensinou O'Neil.
Por extensão, herói e celebridade, como Gates, são seres totalmente diferentes e, na visão de todos os quatro debatedores, absolutamente incompatíveis.
"Herói é uma pessoa que permanece humana em uma sociedade desumana", ensinou por sua vez Elie Wiesel, esse extraordinário escritor, humanista, Nobel da Paz.
"Herói é aquele que nunca acha que está sendo bem-sucedido", preferiu Theodore Zeldin (Oxford, Grã-Bretanha), autor da alentada "Uma história Íntima da Humanidade".
Não é à toa que nenhum conseguiu citar um só herói, do ponto de vista deles, que esteja ainda vivo e seja conhecido.

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