São Paulo, sexta-feira, 9 de fevereiro de 1996
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Entre mães e palhaços

JANIO DE FREITAS

Os acontecimentos de ontem no Congresso, em torno do que poderia ser e não será a reforma da Previdência, desceram ao nível de briga no cais do porto. As mães, alheias à discussão do bestialógico que é o projeto, foram invocadas com frequência. A linguagem, por sinal, é o único traço a aproximar os que discutem a Previdência no Congresso e o povão. Mas por que tamanha e tão duradoura zorra?
Não há motivo único, embora um seja preliminar aos demais. Foi o projeto mandado ao Congresso pelo governo. Pífio como proposta, mais do que medíocre como formulação e indecente se confrontado com os discursos do candidato e do presidente Fernando Henrique Cardoso. Ao conhecer o texto, e sem entender como fora subscrito por alguém com as qualificações do sociólogo Fernando Henrique, responderam-me que ele apenas ouvira uma exposição do ministro Reinhold Stephanes sobre o projeto, não estudando o texto por considerá-lo insipidamente técnico. Deu-se por satisfeito com o que pegou de ouvido.
A satisfação fácil também se explica. A reforma pretendida por Fernando Henrique, causa de sua comunhão com Stephanes, nada tem a ver com Previdência, seguridade social, pensões e aposentadorias. Sob o aspecto administrativo, só o caixa do Ministério da Previdência e o Tesouro Nacional são objetos de interesse governamental. Sob outros aspectos menos mencionáveis, a meta era criar o caminho para a privatização -gratuita, mais um presente de bilhões anuais sem a menor contrapartida.
Em função dessas motivações, e não da oportunidade aberta para uma verdadeira reforma, que por certo daria campo também a um sistema privado de Previdência, o projeto do governo exibiu a inconsistência que dá vez a todo tipo de questionamento político, partidário, classista, eleitoreiro, sindicalista e o que mais houver por aí. Despreparado, com o assunto entregue à condução técnica incapaz e lideranças parlamentares opacas, assistidas por uma atitude presidencial abúlica, o governo perdeu-se em idas e vindas, dizer e desdizer, desnorteado e encurralado.
Tão absurdo é o projeto, que não havia mesmo como salvá-lo no Congresso, ainda que não se tornasse presa de oportunismos. Mas o PFL deu contribuição importante para que as coisas chegassem ao patético. Os deputados Luís Eduardo Magalhães e Inocêncio Oliveira, presidente da Câmara e líder do PFL, transformaram as desavenças com o governo em razão para forçar o andamento do projeto, quando tudo sugeria que o melhor era o oposto: tratá-lo em banho-maria e evitar fervuras parlamentares.
Entre mães ofendidas, palhaços e vagabundos (nova qualificação dada a Vicentinho pelo deputado Euler Ribeiro), ameaças de agressão física e desmoralização do Congresso, o que resta é a fatalidade tediosa de testemunhar a farsa sorridente dos governantes e aguardar que a Previdência venha a estourar em anos próximos, levada pela falsa reforma.

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