São Paulo, sexta-feira, 9 de fevereiro de 1996
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CDs recuperam 20 anos de Silvio Caldas

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REDAÇÃO

O cantor e compositor carioca Silvio Caldas recebe, aos 87 anos, homenagem extensiva mas parcial. Está sendo lançada a caixa "O Caboclinho Querido" (uma de suas alcunhas na era áurea da MPB), com três CDs e 60 faixas remasterizadas digitalmente.
A coletânea cobre apenas o intervalo 1954-1975, em que ele lançou discos pela Columbia (depois CBS, hoje Sony). Silvio canta desde 1914, quando tinha 6 anos, e grava desde os anos 20.
"Não tenho nada a dizer da caixa, porque não me mandaram. Minha casa deve ser muito longe", diz Silvio em seu sítio em Atibaia (65 km de São Paulo), onde mora com a família desde os anos 60.
Silvio Caldas não grava discos há 17 anos. "Não me convidam mais. Hoje em dia, só querem música que dure dois ou três anos. Mas eu estou aqui para a eternidade", afirma, enquanto toma, às 16h30, o que diz ser a oitava dose de uísque do dia.
"Vou chegar à 16ª. Bebo cachaça até às 11h e uísque à tarde. Evita queda de cabelo", brinca. O hábito é antigo. Foi num botequim ("é claro") que conheceu Orestes Barbosa, parceiro mais constante.
"Foi um dos maiores compositores do Brasil. Ele introduziu na música popular a sextilha e o decassílabo. Dizia: 'Tu não vai gravar esse poema porque é decassílabo, ninguém vai cantar'".
O poema era "Chão de Estrelas", que Silvio musicou em 1937 e transformou num dos grandes clássicos da MPB.
Esta e outras da dupla, como "Serenata" e "Quase que Eu Disse", ou "Pierrot", de Joubert de Carvalho e Pascoal Carlos Magno, ajudaram a inscrever seu nome no seleto rol denominado, nos anos 30 e 40, "os quatro grandes".
Silvio dividiu, nesta fase, o primeiro escalão masculino da MPB com Francisco Alves, Orlando Silva e Carlos Galhardo. "Nunca houve disputa pessoal", conta Silvio. "Cada um tinha seu público, seu estilo, sua personalidade. Claro que o Orlando veio me imitando, como o Nelson Gonçalves veio depois imitando o Orlando."
A massa acumulada de história não deixa lugar à falsa modéstia. "Se você encontrar no mundo cinco homens como eu, é muito. Eu fui o maior criador de todos os compositores populares, eu que lancei tudo isso que está aí."
Entre os outros cinco, Silvio cita Bing Crosby, Carlos Gardel, Augustín Lara e Frank Sinatra. Cala-se quanto aos brasileiros.
Depois, para ele, tudo é decadência. "Aí veio Tom Jobim, vieram aqueles baianos. E cadê João Gilberto? Desapareceu. Só eu estou aqui até hoje. Bossa nova, tropicalismo, tudo isso é falso, feito para ir contra a MPB autêntica".
Ele continua: "Nós tínhamos amor pela nossa arte e pela MPB, não éramos mercenários. Não tenho mágoas, meu nome está nas enciclopédias. É só que esta é uma época borocoxô".

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