São Paulo, sexta-feira, 9 de fevereiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Xangai' recria a China para o Ocidente

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Para navegar nas águas turbulentas da China, Zhang Yimou escolheu a opressão da mulher como tema favorito. Deu certo. "Lanternas Vermelhas" e "Amor e Sedução" lançaram no Brasil o cinema chinês, no início da década.
Agora, quando sai "Operação Xangai", a dúvida é sobre a permanência da arte extremamente estetizante de Yimou: sobreviverá ou não à fama do cinema chinês?
"Operação Xangai" chega trazendo na cabeça do elenco a mais célebre estrela chinesa, Gong Li. E Zhang Yimou retoma a idéia básica de seus filmes de maior sucesso: em seu país, o cinema passa pela política; a política passa pela questão da mulher; a mulher é um elemento-chave do cinema.
Nesse sentido, a opressão da mulher pode muito bem ser entendida como metáfora da opressão política propriamente dita.
Aqui, no entanto, nota-se uma evolução em relação a seus primeiros filmes. Não se trata mais de observar a mulher apenas como objeto de opressão.
Com certeza, Xiao (Gong Li) é oprimida. Bela mulher do velho chefão Tang, ela se impõe pela beleza em um mundo de gângsteres. Tanto se impõe que arranja um amante e se envolve em um complô contra Tang.
Não estamos em qualquer lugar do mundo, mas na China -lugar mítico, onde crime e mistério se encontram, pelo menos desde que Josef von Sternberg filmou "Shangai Express", em 1932.
Mas Sternberg não filmava a China, propriamente. Levava Marlene Dietrich para um lugar qualquer, reconstituído em estúdio. Yimou não está longe disso.
No conjunto, seu cinema não tende a mostrar a China, mas uma espécie de sonho sobre a China.
Mesmo a introdução na trama do adolescente Shu Sheng, criado de Xiao, por cujos olhos a história é vista, tende menos a falar apenas sobre um sistema de hierarquias rígidas e injustas. Sua função principal é introduzir alguém do exterior (o espectador, o ocidental) a um mundo que sempre lhe permanecerá estranho e indevassado.
Zhang Yimou pisca o olho várias vezes para o Ocidente. Mostra, por exemplo, a Xangai que queremos ver e que se ajusta a seu gosto: existe no ar uma tumultuada sensualidade, quer estejamos numa casa de shows onde Xiao impera, quer à beira de um ajuste de contas entre gangues.
O forte do filme é essa sensualidade (Zhang Yimou trabalha melhor do que ninguém quando se trata de colocar em relevo a beleza de Gong Li), que por vezes assume contornos quase delirantes.
Nesse sentido, existe um forte paralelismo entre o trabalho de Sternberg com Marlene Dietrich e o de Zhang Yimou com Gong Li.
O ponto fraco situa-se mais na parte final, fora de Xangai, quando Yimou deixa claro seu gosto por cartões postais.
"Operação Xangai" é, no mais, um filme que ganharia com o uso de uma câmera mais discreta em certos momentos. O barroco não raro transborda: Yimou trabalha num perigoso limite entre a estética do excesso e o ornamental.
No conjunto, "Operação Xangai" é um filme que se deixa ver com facilidade. Mas, na hora em que o cinema chinês conquista o mundo e vira até capa da revista "Time", o papel de Yimou nesta voga ainda está por ser definido.

Filme: Operação Xangai
Produção: China, 1995
Direção: Zhang Yimou
Elenco: Gong Li
Onde: a partir de hoje no Espaço Unibanco de Cinema, sala 2

Texto Anterior: 'Sabrina' atualiza mito da 'Cinderela'
Próximo Texto: O melhor de 'Odessa' está na primeira parte
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.