São Paulo, sexta-feira, 9 de fevereiro de 1996
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A matéria

A prestigiosa revista "Science" publica hoje um artigo segundo o qual os quarks podem não ser indivisíveis como se pensava. Segundo a teoria ainda em voga, os quarks com os léptons são as mais elementares partículas que compõem a matéria, formando os prótons, elétrons e nêutrons dos átomos.
Como em quase tudo, os primeiros a propor a existência dos átomos foram os gregos. Em cerca de 500 a.C., Leucipo e seu discípulo mais célebre, Demócrito, sugeriram a existência de partículas indivisíveis e indestrutíveis e as chamaram de "átomos", literalmente "indivisível". Exceto por alguns momentos, a teoria passou quase 2.000 anos no ostracismo. Teses rivais como a dos elementos -terra, fogo, água e ar- eram bem mais populares.
Foi no século 19 que o atomismo voltou à voga e, no 20, as partículas "indivisíveis" foram simplesmente retalhadas. O primeiro golpe veio ainda no século 19. Em 1897, J.J. Thomson descobriu a existência do elétron. Em 1913, Rutherford descobriu o próton organizado num núcleo e propôs a teoria da estrutura atômica moderna.
Em 1932, James Chadwik encontrou o nêutron e o neutrino. Pouco depois, pesquisadores detectaram o pósitron e o antineutrino, as primeiras antipartículas. Nos anos 50, descobriram-se o píon e o múon. Nos anos 60, Murray Gell-Mann propôs o Modelo Padrão para a explicação da matéria, na qual surgem os quarks (nome sem significado tirado de uma passagem também sem significado do "Finnegans Wake" de James Joyce) e os léptons de diversos "sabores".
Tudo parecia resolvido até que, no ano passado, o último quark, o top, foi identificado. Fazendo os quarks top se chocarem num acelerador de partículas, cientistas do Fermilab (EUA) detectaram colisões "duras", o que indicaria que eles têm uma estrutura interna, sendo assim possivelmente divisíveis. Se confirmada, a descoberta põe em xeque o modelo de Gell-Mann.
Para o pobre Leucipo que batizou a sua partícula primordial de "indivisível", o átomo já foi mais do que suficientemente dividido. A confirmar-se a existência de partículas ainda menores que os quarks, tem-se a prova cabal de que tudo o que é sólido desmancha-se no ar, se é que o eventual sucessor do quark tem massa para ser considerado sólido. De qualquer forma, pouco importa, porque, em ciência, nada é definitivamente sólido.

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