São Paulo, sexta-feira, 9 de fevereiro de 1996
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É o bicho...

SUZANA SINGER

SÃO PAULO - É na hora da matrícula que o calouro justifica o apelido de "bicho". A Folha publica hoje uma foto de um aluno da USP agachado, com a boca enfiada na terra. Tentava matar uma formiga no grito.
A reportagem informa que o futuro engenheiro participou do trote sem resistência. A formiga não morreu e ele saiu rindo.
A violência na recepção dos calouros já foi assunto de editoriais, artigos indignados e reportagens de denúncia.
Em uma tentativa de substituir as "brincadeiras" violentas, as universidades criaram nos últimos anos os trotes politicamente corretos: atividades edificantes como doação de sangue, recolhimento de alimentos e material escolar para os pobres. Quem participar de uma dessas atividades na Faap este ano ganha uma fitinha verde, que serviria de salvo-conduto contra os trotes...
Por enquanto, nada disso adiantou. Todos os anos as cenas de subjugação se repetem, algumas vezes com casos de feridos graves. Em tempo de neoliberalismo, a solução pode estar no "laissez-faire": deixe que se humilhem, desde que não se matem.
Os calouros, depois da pressão do vestibular, se mostram ávidos por algum ritual de iniciação que consagre os seus esforços de um ano de estudos.
A maioria não resiste e, hormônios em ebulição, se diverte na barbárie. Quem é abordado por um deles pedindo esmolas no carro percebe o sorriso de satisfação, mesmo quando dizem "fui aprovado em Picirica da Serra".
Os veteranos, por sua vez, aproveitam os primeiros dias de aula para justificar as teses sobre a idiotia juvenil. Raspam cabelos, pintam rostos e humilham os recém-chegados, cheios de soberba por serem os recepcionistas da UNIVERSIDADE.
O que justifica esse encontro irracional, de humilhação consentida, é o orgulho de terem chegado lá. Bichos de um lado, animais do outro, em uma instituição cada vez mais isolada da sociedade. Talvez o reitor da USP tenha feito bem em gradear o campus e proibir a entrada de estranhos.

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