São Paulo, sábado, 10 de fevereiro de 1996
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Decreto preserva áreas indígenas, diz Jobim

EMANUEL NERI
DA REPORTAGEM LOCAL

O ministro da Justiça, Nelson Jobim, afirma que os índios poderiam perder até mesmo os 39 milhões de hectares já demarcados em caráter definitivo se o governo não tivesse alterado as regras sobre terras indígenas.
Jobim é responsável pelo decreto 1.775, deste ano, que abre a possibilidade de contestação de áreas indígenas já demarcadas -que também totalizam 39 milhões de hectares-, mas ainda não registradas em cartórios.
Esse decreto substituiu o de número 22, de 1991. Segundo Jobim, o decreto 22 não preservava as reservas já registradas em cartório -última fase da demarcação.
O ministro disse também que o decreto 22 era inconstitucional por não estabelecer o princípio do contraditório. Graças a isso, pessoas que se sintam prejudicadas pelas demarcações indígenas podem contestar a demarcação em processo administrativo.
"Nós temíamos pôr em risco todas as demarcações que tinham títulos registrados depois de 1988", afirmou Jobim durante debate sobre o decreto 1.775, realizado pela Folha na última segunda-feira.
Presente ao debate, o advogado Dalmo Dallari afirmou que o decreto 22 não era inconstitucional. Para ele, litígios envolvendo pessoas prejudicadas pelas demarcações poderiam ser resolvidos na Justiça.
Com o novo decreto, cabe ao Ministério da Justiça analisar as contestações e decidir se a queixa do suposto proprietário de terra é ou não procedente. Há um prazo de seis meses para que isso ocorra.
Dallari lançou dúvidas sobre a atuação do ministro nesses processos. Lembrou que, antes de ser ministro, Jobim foi contratado pelo governo do Pará para elaborar parecer considerando o decreto 22 inconstitucional -fato que tornaria seu parcial julgamento atual.
Tratava-se de ação de inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal). "Mas o STF declarou inexistência de inconstitucionalidade", disse Dallari. Jobim é o autor do novo decreto que disciplina as terras indígenas.
Para Dallari, o novo decreto estimula a invasão de áreas já demarcadas para os índios. "Acho que o presidente da República, para ser coerente com seu discurso humanista, deveria revogar esse decreto."
"Nós estamos falando de direito dos índios. Não estamos falando de caridade", afirmou Dallari. "São direitos consagrados pela Constituição e que todos nós temos a obrigação de respeitar".
Gilmar Mendes, procurador da República, chamou de "ação reparadora" a iniciativa do governo de mudar a legislação sobre demarcações indígenas.
"Uma ação que tem em vista exatamente eliminar vícios eventualmente existentes que poderiam comprometer aí sim todo o processo (de demarcações)", afirmou. Segundo ele, a Justiça já havia considerado ilegais algumas demarcações.
Dois outros participantes do debate repudiaram o novo decreto. Gersen José dos Santos Luciano, do Conselho de Articulação dos Povos e Organizações Indígenas, culpou o novo decreto por invasões e agressões em áreas já demarcadas.
João Pacheco de Oliveira, presidente da Associação Brasileira de Antropólogos, disse ser "absolutamente temerário" o processo de reexame das áreas indígenas.
"Consideramos o decreto realmente equivocado e de resultados políticos e técnicos extremamente perigosos", afirmou Oliveira.
O debate foi mediado pelo jornalista João Batista Natali, da Folha.

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