São Paulo, sábado, 10 de fevereiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Para advogados, apitar em Ipanema é exercer cidadania

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

É crime apitar para avisar aos que fumam maconha da chegada da polícia? É crime distribuir panfletos difundindo o uso do apito ou em defesa da descriminação das drogas? É crime tocar músicas propondo a legalização ou usar roupas e acessórios que propalem essas idéias?
"É tudo uma questão de interpretação. Numa visão legalista e isolada da lei, tais condutas seriam criminosas. Mas se a lei for interpretada à luz do contexto social, elas constituem-se em manifestações legítimas da cidadania", afirma o advogado criminalista Maurides de Melo Ribeiro.
Alberto Zacharias Toron, também advogado criminalista e presidente do Conselho Estadual de Entorpecentes de São Paulo (Conen-SP), concorda. "A Constituição assegura às pessoas o direito de emitir suas opiniões e críticas. É legítimo externar opinião sobre a conveniência ou não de criminalizar-se o uso de drogas", diz.
Toron cita, como exemplo, um caso ocorrido em São Paulo nas eleições de 1982. Na época, uma candidata a deputada defendia a descriminação do uso da maconha. Foi processada criminalmente, com base no artigo 12 da Lei de Tóxicos (leia quadro ao lado), por incentivar o uso de drogas. A Justiça decidiu absolvê-la, porque entendeu que discutir a respeito de uma prática criminosa é um direito do cidadão.
"Incentivar o uso de drogas é quando a pessoa exalta as qualidades da droga e conclama os outros a usarem. Não é isso que tem ocorrido", explica Toron.
Na opinião dos dois criminalistas, o uso do apito em Ipanema representa um movimento típico de desobediência civil. "As pessoas organizaram-se e criaram mecanismos de defesa para resistir à ação repressiva da polícia. Esta conduta não é criminosa, porque de nenhuma maneira a droga foi distribuída ou houve conclamação ao uso", diz Toron.
Para Ribeiro, o objetivo do movimento é suscitar o debate e sensibilizar o Congresso a mudar a legislação vigente. Quanto à distribuição de panfletos propondo a descriminação das drogas, músicas que tratam do assunto, roupas que façam alusão ao tema, são manifestações culturais, ideológicas e políticas de descontentamento com relação às normas em vigor.
"Mas, além disso, traduzem um padrão cultural em que valores hoje considerados anti-sociais ou desviantes são por essas manifestações tidos como não nocivos ou até positivos. Só 'forçando a barra' poderiam ser enquadradas como crime previsto na Lei de Tóxicos", interpreta Toron.
Em todos os casos citados, quando ocorre a incriminação, ela dá-se com base no artigo 12 da Lei de Tóxicos. Prevê esse dispositivo (parágrafo 2º, incisos 1 e 3) pena de reclusão de 3 a 15 anos mais multa para quem induz, instiga ou auxilia alguém a usar entorpecente, ou contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico de drogas.
Para Ribeiro, é preciso mudar a atual política de combate às drogas, que já se mostrou equivocada e ineficaz. "A simples repressão não resultou na diminuição do número de usuários nem conseguiu reprimir o tráfico", argumenta.
Na mesma linha de raciocínio, Toron sustenta a necessidade de implantação de programas de prevenção com atuação motivadora.

Texto Anterior: Tiroteio em favela deixa 5 pessoas mortas
Próximo Texto: O QUE DIZ A LEI
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.