São Paulo, sábado, 10 de fevereiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Coleção de fitas cassete mostra o melhor e o pior dos sambas-enredo

SERGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Coletâneas de sambas-enredos há muitas na praça e outras mais hão de surgir nos próximos dias, mas talvez nenhuma ofereça o que as seis últimas fitas cassete lançadas pela Collector's contém: um panorama do gênero desde o seu nascedouro (em 1928) até seu declínio (nos anos 80). Haja saco para ouvir todas as fitas, que no fundo só interessam, mesmo, aos estudiosos do assunto. E até estes reconhecem: o melhor das escolas não é o samba com que desfilam na avenida mas o desfile em si.
Performances memoráveis, como as do Salgueiro no início da década de 60 (com Chica da Silva, Chico Rei e enredos afins), não produziram sambas inesquecíveis. Melhor e mais conhecida do que o premiado tema da Mangueira em 1968 ("Samba, Alegria de um Povo") é a deliciosa gozação que, naquele ano, o humorista Sérgio Pôrto fez à falta de imaginação dos sambas-enredos: "Samba do Crioulo Doido", gravado por Zé do Violão e o Quarteto em Cy.
Quem para a pilhéria torceu o nariz deve dar, se já não deu, a mão à palmatória. O humorista, como diria o Nássara, tirou na pinta: há muito crioulo doido fazendo samba. E alguns brancos também.
Provas? É só ouvir as 107 faixas reunidas pela Collector's, cheias de exaltações patrióticas, delírios ufanistas e imagens repetidas "ad nauseam", como "palco iluminado", "Brasil varonil", "turbilhão de alegria". E a "cortina do passado"? Nossa! Volta e meia ela se abria -e ainda se abre- para revelar fatos heróicos e pitorescos de nossa história (perdão, História).
Nada supera os "61 Anos de República" exaltados por Mano Décio e Silas de Oliveira para a Império Serrano, em 1951. Além das vanglórias de praxe, a certa altura da letra, rubrica vira "rúbrica" (para rimar com república) e perda, claro, "perca". Foi graças a essa dupla que a partir dedeterminada época a Império superou a Portela em ardor cívico, com loas à Batalha de Riachuelo, à trajetória de Caxias e a outras glórias nacionais intocadas pela rival.
No início dos anos 40, a Portela dava até a impressão de ser presidida pelo conde Afonso Celso. A ditadura getulista, para a qual o patriotismo não era, em absoluto, o último refúgio dos canalhas, na certa adorava os temas que ela costumava levar à avenida. Dois exemplos notáveis: "Brasil Glorioso" (1944) e "Motivos Patrióticos" (1945), também medíocres do ponto de vista musical. Como, de resto, o oba-oba portelense de 49, "Despertar de um Gigante".
Vez por outra, topamos com um autor consagrado fora das escolas. Mas nem Zé Keti (que com três parceiros fez o samba da Portela em 1962, sobre Rugendas) nem Martinho da Vila (principal responsável pelo samba da Vila Isabel em 1967, "Carnaval das Ilusões") conseguiram dar a volta por cima. Mais feliz, falando nisso, foi a dupla Jair Amorim-Evaldo Gouveia, cujo samba em louvor a Pixinguinha (Portela, 1974) era bem mais digno do homenageado que os confeccionados para exaltar Lamartine Babo, Braguinha e outros trovadores de Momo.
Mano Décio, sejamos justos, ajudou a compor o que talvez tenha sido a primeira obra-prima dos sambas-enredos, "Tiradentes", que muitos juram ter sido apresentada pela primeira vez em 1949, mas que só estourou em 1955. Desta até quem nunca pôs os pés num desfile se lembra. Quem a canta, na fita, é Jorge Goulart, inexplicavalmente não identificado na ficha que acompanha o cassete.
Mais seis sambas merecem destaque, por terem ficado na memória popular: "O Mundo Encantado de Monteiro Lobato" (Mangueira, 1967), "Bahia de Todos os Santos" (Salgueiro, 1969), "Festa Para um Rei Negro" (Salgueiro, 1971), "No Reino da Mãe de Ouro" (Mangueira, 1976), "Das Maravilhas do Mar Fez-se o Esplendor de uma Noite" (Portela, 1981) e "Bumbum Paticumbum Prucurundum" (Império Serrano, 1982).

Texto Anterior: Jazz norte-americano aponta tendência para fusão de estilos
Próximo Texto: Lei Seca terá agora alcance continental
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.