São Paulo, sábado, 10 de fevereiro de 1996
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Lucro legítimo

CELSO RIBEIRO BASTOS

Temos, como país, uma história curiosa do ponto de vista da presença do Estado na economia. Embora não tenhamos nem uma revolução socialista nem partidos radicais de esquerda no poder, o fato é que possuímos, hoje, uma das economias mais estatizadas do mundo.
E essa estatização toda não é devida a uma revolução social, mas se deu sob o manto de governos autoritários uns, democráticos outros, mas todos irmanados na comum concepção de que o Estado é o grande promotor e gerenciador da economia.
Não se pode subestimar a força que essas concepções ganharam no inconsciente coletivo. Embora os fatos desmintam certas versões, elas ainda sobrevivem. O fato é que, para muitos, o empresário é um ladrão e o Estado é um patriarca, voltado de corpo e alma ao atingimento do interesse coletivo.
Ao fim e ao cabo aparece o demônio: o lucro. Não se aceita, neste país, que alguém possa ter lucros altos na sua atividade sem com isso estar lesando o povo. Sendo assim, nada mais resta do que suprimir esses empresários desabusados que não sabem se autolimitar na sua voraz cobiça do lucro.
Temos passagens históricas de tabelamento, cujo ridículo ainda está na mente de muitos, como a da caça ao boi gordo, o fechamento de supermercados por bravateiros, tudo isso em nome do sacrossanto princípio do tabelamento.
O caso das mensalidades escolares é um dos últimos vestígios dessa nova endemia estatizante. O Plano Real, ao contrário dos anteriores, não apostou no tabelamento. Preferiu adotar os mecanismos clássicos de gerenciamento liberal da economia: controle da moeda, do câmbio, redução das tarifas aduaneiras.
Tudo isso levando a um êxito que nenhum dos planos anteriores, fulcrados no tabelamento, atingiu. Quem explora o ensino, salvo irmandades religiosas ou raras entidades beneficentes, o faz como um meio lícito de ganhar a vida. É obrigado a sujeitar-se às leis do mercado. Se os preços estão altos é porque há escassez do serviço, assim como toda vez que na Flórida neva os produtores de laranja no Brasil exultam.
Destarte qualquer tentativa de tabelamento só agravará o mal. Medidas dessa natureza apenas desestimularão quem quer que, em tese, se dispusesse a investir no ensino. Ninguém é tão imbecil a ponto de investir numa atividade que o force a adquirir insumos e a vender seus serviços segundo os preços ditados por um pachorrento burocrata de Brasília.
Ao poder público faltam condições jurídicas e morais para impor preços à iniciativa particular. Em primeiro lugar, no caso de malogro, o Estado não a socorre. Se o lucro tido por abusivo é proibido, da mesma forma o déficit honesto deveria ser indenizado. Do ângulo moral já basta o desastre do Estado na exploração de suas atividades.
A solução do problema reside em dois fatores. Proclamação pelo Estado de que não controlará preços, limitando-se a punir as práticas que desnaturem o mercado. Em seguida, a exemplo do que faz com outras atividades, fornecer financiamentos aos interessados em investir no ensino.
Tenho a forte convicção de que a ninguém é dado substituir as leis econômicas pelas jurídicas. Creio também que o ensino não é uma exceção à lei da oferta e da procura. As mensalidades só se reduzirão com o freio da livre concorrência. O resto é demagogia.

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