São Paulo, sábado, 10 de fevereiro de 1996
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O senador do Brasil

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Durante os trabalhos da última Constituinte, numa reunião entre amigos, sugeri a dois parlamentares que incluíssem no Ato das Disposições Transitórias um artigo dando a Nelson Carneiro o título de senador vitalício do Brasil.
Não seria um biônico, como tivemos alguns recentemente, e cuja função era aprovar tudo o que viesse do Executivo. O cargo de senador vitalício existe em países com tradição democrática bem mais expressiva do que a nossa.
A presença dele na vida pública foi maior do que a maioria dos presidentes da República. Lutou pela emancipação da mulher, pelo reconhecimento dos filhos que antigamente a lei mandava rotular de ilegítimos, pelos direitos da companheira, tudo isso foi o pão que Nelson amassou durante anos, numa época em que esses temas não tinham cobertura da mídia.
Sofreu campanhas sórdidas na sua luta pelo divórcio. Sozinho, valeu um Congresso inteiro. E poucos parlamentares, na história de qualquer país e de qualquer tempo, alteraram tão fundamente a sociedade, mexendo em suas leis básicas.
Eu o conheci em criança, quando ia à redação do "Jornal do Brasil", pela mão de meu pai. A mesa de Nelson era ao lado da dele. Gostava daquele homem de suspensórios, de riso amplo e acolhedor que vinha falar comigo, perguntando pelos meus estudos, pela minha mania de querer entrar num seminário.
Com exceção do pai, era uma redação de monstros: Barbosa Lima Sobrinho, Múcio Leão, Aníbal Freyre, os três da Academia, e Pires do Rio, Mário Nunes, o grande Raul Pederneiras com seus imensos bigodes e seu enorme chapéu preto que lhe dava o ar de ter saído de um romance do Eça de Queiroz.
Nelson era dos mais moços. Elegera-se deputado pela Bahia, depois firmara pé no Rio e exerceu diversos mandatos na Câmara e no Senado, até que sofreu a derrota de 1994, derrota que o abateu e abriu espaço para sua morte, terça-feira passada.
O Brasil perdeu um dos seus grandes homens, com lugar definitivo na história do país. Eu acredito que perdi um dos últimos, senão o último amigo que me botou no colo.

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