São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 1996
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Estados e municípios adiam pagamento

GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Com o apoio do Senado, governadores e prefeitos têm conseguido deixar para seus sucessores dívidas que deveriam ser pagas em seus mandatos.
A prática contraria pareceres técnicos do Banco Central e a legislação em vigor.
A prática se tornou endêmica a partir do primeiro ano do governo Fernando Henrique Cardoso.
Os senadores decidiram que Estados e municípios deveriam pagar no máximo 2% de suas dívidas em títulos públicos. A maior parte acaba não pagando nada.
Exemplo recente foi o pedido do prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, para "rolar" 98% dos títulos do município que vencerão neste semestre, no valor aproximado de R$ 500 milhões.
Como de praxe, o pedido passou por exame técnico do BC antes de ser submetido ao Senado.
Feitas as contas, o BC avaliou que a prefeitura tinha condição de pagar pelo menos 6,9% da dívida.
Mais: estudo do BC afirmava que, como havia gasto apenas 21% com educação, Maluf poderia ter a rolagem negada. O prefeito reagiu e chamou o relatório de "velhaco".
No mês passado, os senadores desconsideraram o relatório e aprovaram o pleito de Maluf.
São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, os mais poderosos, foram os que deixaram mais dívidas para os futuros governantes.
Na prática, o que está acontecendo é o descumprimento das regras para a renegociação das dívidas estaduais -aprovadas em 94 após serem negociadas pelo então ministro da Fazenda, FHC.
Essa norma, definida na resolução 11 do Senado, determina que os Estados devem gastar 11% de sua receita com dívidas.
A resolução 11, apresentada como uma das bases do controle de gastos públicos necessário ao Plano Real, caducou antes de completar um ano.
O governo brigou para manter os pareceres do BC, mas não teve sucesso devido às pressões dos prefeitos e governadores sobre senadores.
Argumentando que os Estados não tinham condições de cumprir os pagamentos, os senadores da CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) fizeram um acordo informal no sentido de desconsiderar os pareceres técnicos do BC.
"A idéia era aliviar o peso dos encargos sobre os Estados, mas estabelecer um percentual comum de pagamento que todos deviam cumprir", relata o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), membro da comissão.
"O problema é que depois passaram a aprovar a rolagem integral."
Segundo o presidente da CAE, Gilberto Miranda (PMDB-AM), "os Estados estão literalmente falidos e não conseguem mais pagar suas dívidas".
Na comissão são indicados os relatores dos pedidos de rolagem feitos por Estados e municípios. Em grande parte dos casos, escolhe-se um relator do mesmo Estado que fez o pleito.
Assim, o senador Pedro Piva (PSDB-SP) cuidou da rolagem dos títulos do Estado e da Prefeitura de São Paulo.
Pedro Simon (PMDB-RS) ficou com o pleito do Rio Grande do Sul. Casildo Maldaner (PMDB-SC) relatou o de Santa Catarina.
Em todos os casos, houve cumplicidade entre o pedido do governante e o parecer do relator.
"Os governadores fazem a ladainha de que estão em crise financeira e o Senado naturalmente se sensibiliza", diz Júnia Marise (PDT-MG), que aprovou a rolagem integral da dívida de seu Estado.
Estudos
Os estudos feitos pelo Banco Central sobre as contas dos Estados e municípios revelam casos de quebradeira e irregularidade no uso do dinheiro público.
Os números do BC também apontam a explosão das dívidas em títulos dos governos e prefeituras.
Quando foram criadas as regras da rolagem das dívidas, em janeiro de 94, os títulos estaduais e municipais em poder dos bancos somavam R$ 16,9 bilhões.
No final do ano passado, após seguidos descumprimentos das regras, o número havia saltado para R$ 38,1 bilhões -alta devida a juros.

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