São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 1996
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Caricatura democrática

JANIO DE FREITAS

Acima dos seus tantos aspectos polêmicos, para não dizer mais do que isto, o bafafá da Previdência suscita uma questão que diz respeito ao próprio regime democrático (supondo-se sua existência aqui, apesar do desprezo por direitos individuais e coletivos).
A Constituição estabelece que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são independentes, ao primeiro cabendo administrar e propor leis; ao segundo, legislar e fiscalizar o Executivo; ao terceiro, fiscalizar o cumprimento da legislação e prover justiça. Até onde, neste quadro, é legítimo que o governo faça acordos, por sua conta, e o Legislativo seja compelido a transformá-los em leis ou em texto constitucional? Lembremos que os atos institucionais da ditadura, submetendo o Congresso ao governo, foram extintos ainda no regime militar.
Surgiram de duas pressões os episódios de chanchada que explodiram a comissão parlamentar incumbida de examinar a mexida, que não é reforma, proposta pelo governo para a Previdência. Uma pretendia que o relator Euler Ribeiro contrariasse suas conclusões e amoldasse o relatório ao supostamente acertado entre o governo, ou o presidente da República, e sindicalistas. Outra, para que o presidente da comissão, Jair Soares, desrespeitasse a Constituição e o regimento da Câmara, precipitando a votação do relatório na comissão.
Os partidos governistas têm a finalidade de buscar a aprovação, no Legislativo, das propostas e interesses do governo. Pelo voto, porém. E outros votos, muito mais numerosos, conferem a cada parlamentar a autonomia de sua representatividade. Se poucos a exercem, preferindo a rasteirice pusilânime e quase sempre traidora do seu eleitorado, isso não nega que a independência do Legislativo decorre da autonomia de cada parlamentar.
O baixo nível moral e intelectual do Congresso alia-se à pretensão absolutista do governo, com o resultado de crescente desfiguração dos preceitos constitucionais e do precário regime democrático. Já os nossos parentes cucarachas da Argentina, onde a inflação é invisível, mas o país está em frangalhos, vêem os seus parlamentares entregarem ao presidente poderes-deveres próprios do Congresso. E que só se depositados no Congresso caracterizam o regime democrático, ainda que incipiente. Mas a entrega é necessária para atender a exigências do FMI (esse motivo é declarado, oficial).
Os argentinos são mais francos do que os brasileiros. As consequências práticas e institucionais, no entanto, não são aqui diferentes das que se mostram lá. Se as causas são concessões, coerção ou capachismo, as instituições constitucionais nem ficam sabendo.
Insensatez
Vicentinho está dando o conselho público de que ninguém providencie sua aposentadoria, porque, acha ele, nada muda com a mexida na Previdência. O conselho não é sensato. Ninguém sabe o que vai sair dos plenários da Câmara e do Senado, quando apreciarem o projeto e as emendas propostas (consta que 300).
Não custa, a quem cogitar de aposentadoria em futuro próximo, sobretudo se aposentadoria proporcional, preparar a papelada para usá-la, ou não, quando as tendências parlamentares estejam mais definidas.
O próprio Vicentinho, há apenas cinco dias, declarou-se traído pelo governo e pelos parlamentares governistas. Já não se sabe qual dos Vicentinhos de agora é o Vicentinho de antes, mas o governo e os parlamentares são os mesmos.
Serviço feito
O noticiário está difundindo um equívoco, segundo o qual revela-se agora que o presidente Fernando Henrique telefonou ao presidente Bill Clinton, em maio de 95, para satisfações sobre a contratação da Raytheon, ocorrida então.
Alguns já publicamos a mesma informação várias vezes e desde o ano passado. Se só chegou à TV agora, com o acréscimo apenas de uma confirmação, isso se deve mais aos condicionamentos da TV do que à novidade suposta.

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