São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 1996 |
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Heroína vira 'moda' na classe média de NY
GILBERTO DIMENSTEIN
Por ser tão típica, sua morte, em agosto do ano passado, teve ampla cobertura jornalística, ajudando a chamar a atenção para uma nova moda que invadiu a cidade. Ela morreu cheirando a droga, enquanto seus dois filhos pequenos dormiam. A pouco mais de 1 km do apartamento de Patrícia, na igreja "Our Lady of Lurdes" (Nossa Senhora de Lurdes), no centro do Harlem, bairro dominado por negros e hispânicos, a freira dominicana Yolanda Torres testemunhou o início dessa moda, desde 1990. Ela percebeu que os colombianos, até então operando com cocaína, entraram no mercado da heroína, com uma nova uma estratégia de marketing. A freira foi uma das líderes do movimento que acabou revelando o esquema de envolvimento de policiais com o tráfico no Harlem. Cansada da impunidade, Yolanda, fervorosa adepta da Teologia da Libertação, articulou padres e pastores, lançando uma inusitada tática -pediu aos fiéis que, no domingo, na missa, depositassem no envelope de doação à igreja os nomes dos traficantes e policiais. Diante da lista com 150 nomes, com endereços e pontos de tráfico, foi promovida uma limpeza na delegacia. "O tráfico não acabou, mas melhorou", afirma Yolanda. Na "limpeza", viram não só como os traficantes dominavam a delegacia do bairro, mas como a heroína ganhava adeptos. A droga, que matou roqueiros como Jimi Hendrix e Janis Joplin, caiu de moda na década de 70, abrindo espaço para a cocaína. "Nunca a heroína vendida foi tão pura", conta Thomas Constantine, agente do DEA (Drug Enforcement Administration), entidade do governo americano responsável pelo combate ao tráfico. Por ser mais pura, pode ser aspirada e não injetada, eliminando o estigma de braços picados e o risco de transmissão de Aids. A pureza apresenta maior perigo de overdose. "Surpreende os desavisados", diz Stephen Greene, do Ministério da Justiça, que investiga as rotas de entrada da droga, a principal delas por Nova York. Com um preço de US$ 10 por envelope, a heroína estava mais barata que a cocaína. Para atrair clientes, os traficantes distribuíram amostras grátis. Fez sucesso. Segundo o governo, os EUA têm hoje, no mínimo, 600 mil viciados em alto grau de heroína. Um sintoma é visível nas internações de prontos-socorros: desde 92, cresceram em média 32% em Nova York. O Departamento de Psiquiatria de Cornell registrou o aumento de casos entre jornalistas, advogados e altos executivos. "Virou chique", comenta Greene. Quando traficava drogas no Harlem, o brasileiro Mário Justino, ex-pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, viu de perto a mudança do mercado das drogas. "As pessoas, a maioria brancos de classe média alta, deixavam a cocaína e pediam heroína." Diante da tendência, criminologistas e sociólogos buscam as causas. E enxergam uma espécie de movimento cultural, uma reação à "Era Yuppie", quando os jovens se esfolavam a qualquer custo para ganhar dinheiro e subir na profissão, transformando a cocaína num combustível para o trabalho. A heroína encontra uma classe média, com curso superior, cansada dessa correria, insegura com emprego. "A heroína atrai quem quer relaxar", afirma o médico João Yunes, da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde). "Provoca um profundo bem-estar, algo que as pessoas chamam de Nirvana", diz o chefe do Departamento de Doenças Mentais da Opas, Itzhak Leval. "Aí está a armadilha", acrescenta. Ao tratar viciados em heroína, Levav notava que necessitavam cada vez doses maiores. "Após certo tempo, a vida deles se resumia a conseguir heroína para reproduzir a sensação de Nirvana." Texto Anterior: Prefeitura quer cobrar imposto Próximo Texto: Brasil quer garantir recursos para cidades Índice |
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