São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 1996
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BC descarta "maluquice" no câmbio

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

"O grande desafio estrutural é conseguir o crescimento das exportações sem comprometer o Real, isto é, sem fazer maluquice na taxa de câmbio". A frase é do diretor de Política Econômica do Banco Central, Francisco Lopes.
E a "maluquice", obviamente, é a forte desvalorização do real em relação ao dólar, conforme reivindicação do setor exportador.
O dólar barato encarece o produto brasileiro de exportação. Um par de sapatos que custe aqui R$ 20 vai sair nos Estados Unidos por US$ 20, mais ou menos.
Mas se o real sofresse uma desvalorização de, digamos, 20%, com o dólar valendo então R$ 1,20, aconteceria uma de duas alternativas com aquele mesmo par de sapatos: o exportador brasileiro receberia R$ 24 reais pelos mesmos US$ 20, aumentando seu lucro; ou poderia vender o sapato lá fora mais barato, por R$ 16,60.
E o pior, continua, é que essa inflação interna acabaria "comendo" a desvalorização da taxa de câmbio. Logo seria necessária uma nova desvalorização do real, com novo impacto inflacionário, seguindo-se uma história conhecida.
Mas, excluída a "maluquice", como aumentar as exportações, o que também é essencial para a longevidade do Plano Real?
Não há uma saída, mas um "leque" de soluções, diz Lopes, agrupadas em três itens: financiamento, redução do "custo Brasil" e mentalidade. "Para crescer à oriental, é preciso mobilizar todo o país para exportar", observa.
Nada é de aplicação imediata. Mas as medidas podem vir em tempo hábil, acredita o ministro da Fazenda, Pedro Malan.
"Em abril próximo, o Plano Cavallo completa cinco anos na Argentina e são cinco anos de câmbio fixo, um peso igual a um dólar. E como foi possível que as exportações argentinas tenham crescido?" -indaga o ministro.
Sua resposta: "Porque conseguiram um brutal ganho de produtividade. Exportar pelo porto de Buenos Aires era mais caro do que Santos, um dos mais caros do mundo. Hoje é mais barato".
Arranjar financiamento à exportação é coisa que a equipe econômica pode fazer por si. Mas a redução do "custo Brasil" é antes um problema político, que depende do Congresso, governadores e corporações estatais.
Por exemplo, a proposta de reforma tributária vai isentar de impostos todas as exportações. Mas a proposta está atrasada no Congresso e sofre oposição de governadores que perdem receita com a eliminação do ICMS sobre a exportação de produtos primários e semi-elaborados.
A modernização dos portos está prevista em lei aprovada há mais de quatro anos e ainda não implementada. No porto de Santos, para ficar no exemplo de Malan, praticamente não houve avanços.
Também estão atrasados os programas de privatização e concessão de rodovias e ferrovias, outro item do "custo Brasil".
Finalmente, a alta taxa de juros interna encarece toda a cadeia de produção, afetando, ao final, as mercadorias de exportação.
É claro que a equipe econômica sabe dessas dificuldades. Mas não se rende à "maluquice" porque considera que pode superar os obstáculos no prazo do governo FHC.
E que, até lá, dá para conseguir aumentos razoáveis nas exportações com novos financiamentos, redução progressiva dos juros e ganhos de eficiência. Sem contar que a taxa de câmbio já está bem melhor do que o nível verificado no início do Real.
Todo exportador sabe que o dólar mais ou menos acompanha os preços industriais no atacado.
O resto é um jogo contra o tempo, imprevisível.

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