São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 1996
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Adiar lei previdenciária é solução, na UE

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Um governo preocupado com a competitividade das empresas deve eleger como prioridade a reforma da legislação trabalhista e, se possível, reformar com urgência a previdência social. Adiar uma reforma tão crucial é patrocinar o atraso e perder o trem da inserção internacional. Certo?
Em outras palavras, nos anos 90 a agenda é ainda a mesma lançada nos anos 80 pela Dama de Ferro, Margareth Thatcher. Correto?
Ao que parece, no Brasil talvez. Mas não é o que pensam as autoridades da União Européia, em especial o governo da Alemanha.
Com a palavra o chanceler Helmut Kohl, em discurso pronunciado no Bundestag (parlamento alemão) na semana passada: "Eu nunca pensei que o exemplo da sra. Thatcher fosse desejável para a Alemanha, onde temos um conceito completamente diferente de compromissos sociais".
Isso quanto à universalidade do modelo thatcherista. Quanto à reforma previdenciária, o contra-exemplo vem novamente da União Européia. Na semana passada, a Comissão Européia arquivou a proposta de garantir às pensões validade em qualquer país da UE.
Motivo: é um tema delicado e criaria problemas sociais no sistema europeu. Sem homogeneizar a legislação trabalhista, bloqueia-se a transferência entre países das pensões e, com isso, adia-se o ideal de mobilidade dos trabalhadores na União Européia. Ou seja, a "flexibilização" total do mercado de trabalho foi adiada.
A oposição à desregulamentação do fluxo de trabalhadores veio com força da Alemanha. Motivo: tal legislação rebaixaria a qualidade do sistema de pensões alemão, talhado para estimular a fidelidade do trabalhador à empresa.
Com a palavra um burocrata alemão citado pelo "Financial Times" na semana passada: "Temos um sistema que premia os trabalhadores que ficam por um longo período na mesma empresa. O que a Comissão quer é incompatível com o sistema alemão".
O resultado é que se algum trabalhador quiser mudar de país na UE perderá os benefícios alcançados no país de origem. Ou seja, as pensões (em especial as privadas, objeto do debate) não são "portáteis" dentro da UE.
O exemplo mostra que, apesar dos avanços na criação do mercado único, as autoridades por lá têm sido cada vez mais cuidadosas na implementação de legislação que altera direitos sociais. Apesar da globalização e dos imperativos da competitividade, portanto, adiar uma lei previdenciária pode ser a solução. Ao menos na Europa.
E não é difícil entender o porquê dessa preocupação mais que retórica com o social. Em primeiro lugar, como revelaram as manifestações na França, a reação à anulação de direitos pode ser brutal. São sociedades altamente organizadas. Mas, além disso, ou apesar disso, o drama social europeu já está passando dos limites: também na semana passada, na mesma Alemanha, foi anunciada uma taxa de desemprego de nada menos que 10,8% da população economicamente ativa, a maior parte na ex-Alemanha Ocidental.
Esses exemplos mostram que a revisão de direitos sociais é hoje uma questão universal, global, mas sem uma solução única à vista. Embora a tendência à flexibilização seja bastante generalizada, o mundo nos anos 90 está mais longe de um consenso do que parecia nos thatcheristas anos 80.
Chile
Já que estamos mexendo nesse vespeiro de mitos recentes, vale a pena olhar de novo o modelo chileno de previdência social, tido como ideal de privatização.
Calma, não são dados colhidos em alguma publicação do PT ou da CUT. A reportagem saiu na "Business Week" de 18 de dezembro passado. Depois de 13 anos de retornos médios anuais na casa dos 13,3%, os fundos de pensão chilenos amargaram uma queda para 3,7% negativos em 1995 (dados calculados até outubro).
Os custos do sistema privado dispararam, entre outros motivos porque os trabalhadores podem mudar de fundo até quatro vezes por ano (característica semelhante à que se pretende criar no Brasil).
Mais: apenas 57% dos trabalhadores realmente contribuem. E não são poucos os casos de patrões que simplesmente embolsam as contribuições, coisa que muitos pensariam ser exclusiva de sistemas públicos mal fiscalizados.
Em termos de reformas de sistemas de previdência, portanto, a melhor coisa a fazer é mesmo ser muito, mas muito previdente.

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