São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 1996
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Mudanças irrelevantes

LUÍS NASSIF

As mudanças cambiais de quinta-feira passada são quase irrelevantes. A rigor, não deverão afetar em quase nada o estoque de dólares das reservas cambiais.
Nos últimos tempos, o Banco Central vinha fechando uma série de portas que permitiam o ingresso de capital especulativo de curto prazo. Aproximou a tributação do câmbio flutuante e do comercial e fechou as portas para aplicações de curto prazo em renda fixa. Restava uma porta aberta nas aplicações de renda fixa por meio de títulos de privatização.
A operação era simples. A compra de papéis de privatização podia ser feita sem IOF. Determinadas instituições internas armazenaram muitos desses papéis, para participar de privatizações futuras. Enquanto a privatização não vinha, esses papéis ficam em carteira, sendo rolados no mercado. Isto é, diariamente as instituições buscam no mercado investidores dispostos a aplicar nesses papéis.
Aproveitando as brechas da legislação, esses papéis passaram a ser oferecidos para que investimentos externos pudessem realizar operações de renda fixa sem pagamento de IOF. Em vez de aplicar em CDBs, fundos ou títulos públicos, aplicavam nesses papéis de privatização.
Estima-se que essa operação envolvia cerca de US$ 7 bilhões. Com as medidas de quinta, esse dinheiro continuará aplicado normalmente nesses papéis, mas não haverá renovação das aplicações.
Último cartucho
Com essa medida, o BC esgota o último cartucho para segurar a entrada de dólares no país. Há razoável consenso no mercado, de que o balanço de pagamentos (a conta que mede a entrada e saída total de dólares do país) está razoavelmente equacionado neste ano.
O país necessitará de US$ 18 bilhões para fechar as contas. Cerca de US$ 4 bilhões serão garantidos pelos brasileiros residentes no exterior e outros US$ 5 bilhões por investimento direto. Haverá a necessidade, portanto, de US$ 9 bilhões adicionais, que entrarão por meio do mercado financeiro, para aplicações em Bolsa, renda fixa ou financiamento.
Grande parte desse dinheiro tem entrado muito mais em função dos altíssimos custos do crédito do que das taxas de juros para aplicações em renda fixa. Esta é a face cruel dessa política de juros. Ao escassear o crédito interno, como maneira de atrair dólares, o BC deixa de aumentar a dívida pública da maneira estúpida como ocorreu no ano passado. Em contrapartida, arrebenta com todos os devedores privados. O mercado de crédito fica dividido em dois: o dos privilegiados, com acesso aos dólares, e os condenados à morte, com acesso apenas ao restrito mercado de crédito em reais, pagando as taxas de juros mais elevadas do planeta.
O fluxo de dólares poderia ser contido apenas aliviando-se um pouco o mercado de crédito em reais -e salvando milhares de empresas e de pessoas físicas da inadimplência e da quebra. Mas para o BC, câmbio e política monetária são valores em si, independentemente de suas implicações sobre a economia real.
Lula
Durante dias, a indústria da insídia tentou jogar Lula contra Vicentinho. Uma parte elegendo Vicentinho como a liderança que superou o mestre. Outra, apontando Vicentinho como o traidor dos princípios defendidos por Lula.
A maneira como Lula saiu em defesa de seu companheiro comprova uma velha e reconhecida verdade. Pode-se criticar as posições políticas de Lula e sua desatualização no debate político. Mas seu caráter e senso de ética continuam impecáveis, como nos velhos e heróicos tempos de chão de fábrica.
Essa ética rígida e clara torna ainda mais amazônico o contraste dessas lideranças sindicais com pequenas e vaidosas figuras da política, como esse deputado Euler Ribeiro.

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