São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 1996
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Internet torna o cotidiano mais virtual

LUCIA REGGIANI
DA REPORTAGEM LOCAL

Fazer compras de supermercado, checar o extrato da conta bancária, assistir à pré-estréia de um filme, ouvir trechos de um disco ainda não lançado, conversar com os amigos, trabalhar, estudar, mandar cartas para os parentes e namorar. Tudo por computador.
O cotidiano está se tornando cada vez mais virtual por obra e graça da comunicação entre os computadores das casas, das empresas, dos governos, das universidades.
Poucas das atividades mais comuns, como a transferência de dinheiro entre contas bancárias, ainda estão limitadas a redes restritas. A maioria já acontece por meio de um único micro, que adentra, vasculha e se instala na Internet, a rede mundial de computadores.
Calcula-se que cerca de 40 milhões de pessoas estejam conectadas a ela dos mais diversos pontos do planeta. E, o que é melhor, ninguém é dono.
Entra quem tem um micro, programa de navegação pela rede e modem para fazer o computador conversar pela linha telefônica com as outras máquinas.
Paga-se a entrada a um provedor de acesso, dono de computador possante que representa uma vértebra da espinha (ou de uma das) de comunicação de um país.
Há 15 dias, a Alemanha incluiu a America Online, maior rede comercial on line do mundo, em suas investigações sobre a circulação de material pornográfico infantil e de propaganda neonazista na rede. O governo alemão quer saber se pode responsabilizar os provedores pelo material que circula em suas redes.
Na França, esquenta o debate sobre o livro que conta a luta do presidente François Miterrand contra o câncer. O livro impresso teve suas vendas proibidas por ordem judicial, mas nada impediu que fosse colocado na rede.
Nos Estados Unidos, os pais ficaram com os cabelos em pé depois que três garotos foram presos em Nova York tentando explodir a escola com uma bomba que eles aprenderam a fazer na Internet.
Pouco afeita a debates, a China restringiu domingo passado o acesso à Internet. Determinou que todos os provedores se reorganizassem e submetessem as transmissões ao controle estatal e deu ao governo poder de polícia sobre informações politicamente incorretas, subversivas e pornográficas.
A situação está tão complicada para os provedores que alguns já estão sugerindo que seus assinantes exercitem o autocontrole para evitar medidas governamentais mais fortes.
No outro lado da linha, Nicholas Negroponte, diretor do Massachusetts Institute of Technology Media Lab, guru da Internet, diz que a rede desafia o modo como os governos funcionam.
"A Internet não pode ser regulamentada", disse Negroponte há 15 dias em entrevista à agência "Reuter". "Não é que as leis sejam irrelevantes, o Estado é que não é relevante. Essa é a próxima discussão que teremos."
Enquanto a discussão pega fogo, a Internet no Brasil pega aos trancos. Apesar do sofrimento que a rede telefônica nacional impõe à conexão e da baixa oferta de portas de entrada, estatísticas não-oficiais dão conta do ingresso de cerca de 300 provedores e 150 mil usuários na rede a partir de 95.
A cada dia, mais empresas abrem suas páginas institucionais, aguardando que os desenvolvedores de programas tornem a rede, senão inviolável, pelo menos mais segura para o comércio eletrônico.
Para a indústria que desenvolve equipamentos e sistemas para a rede, o risco que as empresas correm ficando de fora é maior do que o de estar dentro.
Partindo desse princípio, Netscape, Oracle e Microsoft, para citar só três, investem rios de dólares no desenvolvimento de barreiras contra hackers, os bisbilhoteiros de máquinas alheias, e crackers, os temidos ladrões de senhas, que fazem a festa com o número do seu cartão de crédito.
Como a ação dos hackers e crackers pode ser devastadora, algumas empresas de informática já incluíram alguns em seus quadros de funcionários. Eles são pinçados nas universidades para circular pelas subsidiárias, testando incógnitos a segurança dos sistemas.
Em paralelo aos sistemas de segurança, a indústria corre para desenvolver o computador barato, coisa de US$ 500, para massificar o uso da Internet.
Depois que a Sun Microsystems descobriu a linguagem "Java", o cibermundo ficou alvoroçado. É uma linguagem enxuta -um desenho em 3D que levaria meia hora para ser capturado cai para alguns segundos- e permite acionar programas dentro das páginas.
Isso significa que, quem precisar de um software editor de texto não vai mais precisar comprar um. Entra na rede, chama o programa que vai estar dentro de um computador maior (servidor), escreve o que quer e pronto.
Se for programa sofisticado, um jogo cheio de desenhos e vídeos que hoje vem em CD-ROM, também não vai precisar de um micro poderoso. Basta se conectar e usar os recursos do servidor.
A japonesa Bandai mostrou o protótipo de seu Pippin de US$ 500, desenvolvido com tecnologia Apple, na feira MacWorld, em janeiro, nos EUA. A Oracle, em associação com a inglesa Acorn, promete o seu NC (Network Computer) para setembro.
O advento desse micro sem disco rígido certamente não vai acabar com os Pentium, nem com o "Windows" e seus acessórios. Mas pode casar o ciberespecialista em cangurus da Austrália com a internauta pesquisadora de ursos polares da Groenlândia.

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