São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 1996
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O centro da memória

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

No fim do século passado William James sugeriu relação entre emoção forte e memória.
Apesar disso, lembra Carlos Tomaz, da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto (SP), só na década de 60 os neurocientistas começaram o estudo clínico e experimental dessa ligação.
Colheram-se muitos dados confirmatórios e ficou patente, segundo esse autor, que "os processos de armazenamento de informações na memória são susceptíveis a manipulações que afetam o funcionamento cerebral."
Logo após a introdução clínica de benzodiazepinas, cuja forma mais comum é o diazepam, apareceu referência a esquecimento, pelos pacientes, dos fatos ocorridos logo após a ministração da droga.
Outros tipos de amnésia ocorrem em indivíduos submetidos a eletrochoques ou a drogas que alteram os sistemas neurotransmissores do cérebro, que asseguram a comunicação entre as células nervosas. Os cientistas têm investigado essa amnésia tanto em animais quanto em seres humanos.
Um dos sistemas neurotransmissores cerebrais é o do ácido gama-aminobutírico (GABA). Entre outras coisas, ele está associado às emoções e à memória.
Frederico G. Crasff, da USP de Ribeirão Preto, mostrou que esse neurotransmissor desempenha papel importante na elaboração e expressão das emoções.
A memória pode ser modulada por drogas que afetam a neurotransmissão pelo GABA, de maneira que os bloqueadores deste facilitam, em doses pequenas, a memorização, que é todavia prejudicada pelos produtos que estimulam a ação do neurotransmissor.
A amígdala, estrutura cinzenta situada no lobo temporal, exerce papel relevante no controle emocional e nos processos a ele correlatos. Esse fato indica que, pelo menos em parte, os efeitos relaxantes e tranquilizantes das benzodiazepinas decorrem da facilitação da neurotransmissão GABA na amígdala.
Com seus colaboradores James McGaugh e Heather Anson, Tomaz observou a abolição, por lesões da amígdala, dos efeitos amnésicos provocados pela ministração periférica da benzodiazepina.
Sendo a amígdala formada de vários grupos de neurônios, esses pesquisadores trataram de apurar se há especificidade na ação desses núcleos quanto à amnésia provocada pelas benzodiazepinas.
Descobriram que o núcleo mais importante é o basolateral, que aparece como principal mediador dos efeitos amnésicos desencadeados pelo tranquilizante.
Esclarece Tomaz que a amígdala, e em particular o seu núcleo basolateral, recebe informação de todos os tipos sensoriais e a remete a diferentes pontos do cérebro relacionados com a elaboração e expressão de funções cognitivas.
Ela representaria interface entre os estímulos exteriores e as respostas correspondentes.
"Em outras palavras, a amígdala fornece o 'colorido' emocional aos aspectos sensoriais dos estímulos processados pelas estruturas do cérebro hierarquicamente superiores como o neocórtex."
Concluem os autores ser a influência da amígdala sobre a aprendizagem e a memória indissociável de seu papel na esfera emocional. Esses estudos poderão acarretar apreciáveis modificações no tratamento de perturbações emocionais e da memória, mediante a elucidação dos mecanismos neurais que se acham na base desses fenômenos. Essa é a convicção de Carlos Tomaz.

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