São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 1996
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O caminho sem saída de Platão

WILLIAM LI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Dentro do projeto de co-edições de autores clássicos feitas pelas Universidades de Brasília e Coimbra, foi lançado no Brasil o diálogo "Lísis", de Platão, pela Editora da Universidade de Brasília, com introdução, tradução e notas de Francisco de Oliveira, da Universidade de Coimbra.
"Lísis", que versa sobre o amor entre dois rapazes -Hipótales e Lísis- pertence à grande classe dos diálogos de Platão chamados aporéticos -"sem saída". Logo no início é evidenciado esse caráter. Havia na Grécia clássica uma prática sexual considerada inocente e muito natural entre meninos e adolescentes ou entre adolescentes e adultos.
Logo no início do diálogo (206 c), Hipótales, que ama Lísis, coloca a questão inicial a Sócrates: "Se tens algo a dizer sobre o assunto, dá-me o teu conselho: que palavras é preciso dizer ou o que é preciso fazer para nos tornarmos agradáveis aos que amamos ?".
Sócrates responde com seu sofisma por excelência: antes de responder a esta questão, é preciso examinar uma questão prévia -o que é a amizade? E, voltando-se para Lísis, pede-lhe que explique: "Quando alguém ama outrem, qual é o que se torna amigo do outro: o que ama, do que é amado; ou o que é amado, do que ama?" (212 a-b).
Ironias, humilhações intelectuais, jogos de palavras, citações de Pitágoras, Heráclito, Parmênides e uma confusão entre os conceitos de amante passivo (o que é amado) e ativo (o que ama) fazem deste diálogo uma ciranda de assuntos que não leva a lugar algum.
O que elas fazem apenas é criar aquele "espanto" teórico que, como diz Aristóteles no início da "Metafísica", marca o início do filosofar. Para Aristóteles, era este apenas o valor dos diálogos aporéticos de Platão. É enveredar-se por trilhas que não são as certas. E, como é sabido, não foi o próprio Platão quem desembaraçou o nó das aporias sofísticas -pelo contrário, Platão mostra-se o mais hábil dos sofistas quando ridiculariza Hípias ou Protágoras, sem no entanto resolver suas aporias. A rigor, os sofismas baseiam-se numa falsa concepção da teoria da linguagem, e somente Aristóteles com sua lógica formal e a teoria das categorias foi quem resolveu definitivamente este problema no "Organon" e na "Metafísica".
A esmerada tradução de Francisco de Oliveira é precedida de excelente introdução, notas explanatórias e vasta bibliografia.

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