São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 1996
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Japão estuda fim de exclusão de leprosos

Lei de 1953 segrega os contaminados pela doença

PHILIPPE PONS
EM TÓQUIO

O Japão esconde seus leprosos -ou melhor, os escondia. Na terça-feira passada, 6 de fevereiro, o Parlamento japonês iria estudar um projeto de lei pondo fim ao internamento obrigatório dos hansenianos. Pouco tempo atrás o ministro da Saúde, Naoto Kan, desculpou-se em nome do Estado pelo isolamento forçado dos hansenianos.
Enquanto a maioria dos países já havia acabado com as medidas de exceção atingindo as vítimas da hanseníase, os hansenianos japoneses ainda viviam submetidos à lei de 1953 relativa à prevenção da doença, versão emendada de um texto de 1907 que previa a segregação de suas vítimas.
Em junho de 1995 uma comissão do Ministério da Saúde reconheceu que os médicos haviam deliberadamente ignorado os fatos conhecidos acerca da doença, notadamente a inutilidade de segregar os contaminados.
No Japão antigo, dizia-se que os leprosos haviam sido "abandonados pelos três tesouros": Buda, a lei e os monges. A hanseníase, ou lepra, era vista não tanto como doença quanto como um castigo por algum erro cometido numa vida anterior.
Na Idade Média, grandes pregadores procuraram socorrer e confortar os hansenianos. No século 16, os missionários procuraram fazer o mesmo. Depois disso, entretanto, os leprosos voltaram a ser obrigados a uma vida errante.
Faziam parte da categoria dos "não-humanos", população flutuante composta das camadas sociais mais baixas, vítimas da discriminação mais acirrada. No início do século 20, seguindo o exemplo dos EUA, que abriu leprosários no Havaí e nas Filipinas, o Japão passou a segregar seus hansenianos em ilhas isoladas.
Acreditava-se que a lepra era hereditária. Por essa razão, não apenas os doentes eram discriminados, mas também suas famílias. Estas, então, os expulsavam para recobrar sua honra.
Num livro comovente chamado "A Primeira Noite da Vida" um hanseniano, sob o pseudônimo de Tamio Hojol, relata o horror do isolamento, da superlotação dos doentes nas enfermarias, da obsessão do anonimato para evitar a contaminação social do resto da família, o casamento condicionado à vasectomia prévia. Quando um hanseniano morria, ninguém vinha buscar seu corpo.
Agora, 6.000 hansenianos japoneses agora estarão livres para ir e vir. A grande maioria é de idosos. Eles não têm parentes, ninguém que os receba. Para onde irão com seus estigmas? Quase todos decidiram permanecer nos leprosários onde foram internados muito tempo atrás, ouvindo como despedida a terrível recomendação: "Não volte nunca mais".

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