São Paulo, terça-feira, 13 de fevereiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Monopólio teórico

Acaba sendo irrelevante discutir se o diretor norte-americano Spike Lee foi ou não "otário" por ter pago aos traficantes para poder filmar no morro Dona Marta cenas de um clipe de Michael Jackson. A expressão "otário" foi usada pelo chefe da Polícia Civil do Rio, Hélio Luz. O importante, no caso, é constatar-se como é disseminada a sensação de que o Estado é incapaz de executar uma de suas mais precípuas funções, a de oferecer proteção.
Tão disseminada que uma personalidade estrangeira prefere poupar-se ao trabalho de pedir as garantias de praxe às autoridades públicas e negociar diretamente com quem ela acha que realmente manda. É claro que há, no episódio, também um lance de marketing, mais um, aliás, dos inúmeros que marcaram a passagem de Michael Jackson pelo país.
À margem do marketing, não deixa de ser chocante, embora não novidade, a afirmação de José Luis de Oliveira, presidente da associação dos moradores do Dona Marta. "O tráfico concordou", diz Oliveira, a respeito das filmagens.
Se o tráfico não concordasse, deduz-se que Jackson teria que procurar outro local para filmar seu clipe, o que é de extrema gravidade. Não que se ignore o poder do narcotráfico nos morros ou mesmo em outras cidades. O grave é que a sociedade parece anestesiada e já não reage a essa exibição de falência do Estado em um capítulo, o da segurança pública, em que ele continua a ser essencial e, mais do que isso, teoricamente monopólico. Mas, ao que parece, só teoricamente.

Texto Anterior: De volta ao futuro
Próximo Texto: Fermento possível
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.