São Paulo, terça-feira, 13 de fevereiro de 1996
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O mercado também erra

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Lembra-se do Chile, aquele país modelo das reformas liberalizantes, entre elas a privatização do sistema de Previdência Social?
Pois é. No ano passado o até então bem-sucedido modelo chileno começou a mostrar fissuras: as 16 AFP (Administradoras de Fundos de Pensão) criadas a partir da reforma acumularam prejuízo conjunto de imponentes US$ 600 milhões, o que é dinheiro em qualquer lugar do mundo e mais ainda em um país pequeno como o Chile.
Causa principal do prejuízo: aplicação incorreta da pilha de recursos que as AFPs administram. Exageraram na compra de ações de companhias de eletricidade, que eram as vedetes do mercado até o ano passado, mas despencaram vigorosamente em 1995, a ponto de se evaporarem 25% do valor de suas ações.
Até aí, nada de muito grave. Os cotistas não perdem dinheiro porque sobram recursos de contingência para situações do gênero.
Em todo o caso, fica aí um claro alerta para os adoradores do mercado. Privatizar a Previdência pode até ser muito bom, mas nada impede, enquanto o ser humano estiver por trás das decisões, no setor público ou privado, que se cometam erros como as AFPs chilenas o fizeram em 1995.
O problema maior, em todo o caso, é de outra natureza. Após 15 anos, também as AFPs começam a sentir o peso de um grande número de cotistas que se aposentam e passam, portanto, a receber em vez de contribuir. Nada ainda que ameace a saúde intrínseca do sistema. Até porque se, aos 15 anos, um modelo previdenciário já começasse a caducar, não haveria solução para a humanidade a não ser morrer antes de se aposentar.
De todo modo, Júlio Bustamente, superintendente das AFPs chilenas, já começa a sugerir que o pessoal adie a aposentadoria ou prefira reembolsos programados em vez de uma pensão regular pelo resto da vida, informa a "newsletter" britânica "Latin American Weekly Report".
Pois é. Nada contra os fundos de pensão nem contra a tal economia de mercado, ao contrário do que parecem supor alguns leitores. Só não me peçam para julgar uns e outra como a verdade revelada, incontrastável. O ser humano ainda não foi capaz de inventar tal coisa.

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