São Paulo, sexta-feira, 16 de fevereiro de 1996
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O dinheiro da vida

Os 55 mortos e 33 desaparecidos, números ainda provisórios que sugerem o próximo total de pelo menos 86 mortos nas enxurradas cariocas, são mais eloquentes do que quaisquer palavras na condenação dos governantes que esbanjam o dinheiro público nos embonecamentos urbanos, conluios com interesses privados e truques eleitoreiros.
As chuvas foram cruéis, sim, mas não mais ferozes do que outras que não causaram os efeitos de agora. Destes, alguns se incluem nas consequências próprias das calamidades, não havendo como os evitar inteiramente. Mas a maior parte deles, e aí se inscreve a quase totalidade das mortes, é o resultado lógico e elaborado da leviandade carreirista de uns, da corrupção de outros, do descaso de uns e de outros pelas necessidades reais da cidade e de sua população.
O prefeito César Maia e seu secretário de Urbanismo, Luiz Paulo Conde, mentem quando tentam isentar de responsabilidade pelas tragédias os embonecamentos que patrocinam. Nenhum deles corresponde a necessidades reais, a menos que se considere como necessidade real a utilização dessas obrinhas pela NET, para passagem dos seus fios de TV a cabo. Para o prefeito, é verdade, não deixa de ser: ele assegura hoje a retribuição na tela da TV Globo, quando mais lhe convier.
A responsabilidade dos embonecamentos não está só em terem provocado, nos locais das obrinhas malandras, enchentes onde jamais ocorreram, como nas avenidas Atlântica e Vieira Souto (enchentes à beira-mar, um feito prodigioso, sem qualquer relação com a alegada maré alta). Sua responsabilidade mais grave, inescapável, extensiva a muitas ou à maioria das mortes, está no uso leviano de verbas necessitadas, desesperadamente, pelas áreas em que a vida se passa tão abaixo das condições mínimas de humanidade. E sob as condições de máximo risco sanitário, geológico, existencial.
Seria incorreto atribuir tudo ao governo de César Maia. Seu antecessor Marcello Alencar precedeu-o também na política do embonecamento vagabundo, a custos financeiros brutais. Mas César Maia, muito mais preparado em todos os sentidos, por isso mesmo é um caso a lastimar-se. Nem ao menos lhe fica a possibilidade de alegar opções infelizes para o uso de verbas magras: uma de suas ostentações mais frequentes é o bilhão que mantém nos cofres da prefeitura, produzidos na Fazenda por ele próprio e pela eficiência da secretária Maria Sylvia Bastos. Este dinheiro teria dado com sobra para mudar a face do Rio miserável. E, hoje, mortalmente trágico.
Cárdio lógica
Consta que o ministro Sérgio Motta, confrontado com a nota sobre seu desejo de viajar a Cuba no Carnaval, para consulta médica, disse que pensaria até em não ir, só pelo prazer de não confirmar o aqui publicado.
Nunca tive a pretensão de que uma notinha aqui valesse a continuidade de um mal-estar físico comum, quanto mais ministerial. Se depender de mim, pronto: nunca soube que o saudável Sérgio Motta levasse à altura do peito algo além da carteira, que dirá coração.

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