São Paulo, sábado, 17 de fevereiro de 1996
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Projeto nº 13/96

LUIZ VICENTE CERNICCHIARO

O projeto de lei desconsidera aspecto essencial para a separação dos órgãos judiciários
O Direito, à primeira vista, tem-se impressão, é simples conjunto de leis. Qualquer raciocínio jurídico, para se afastar do erro grosseiro, precisa levar em conta o fato que estimula o legislador. Impõe-se considerar o binômio fato/norma. E mais: promover, logicamente, o juízo de valor. Só assim compreender-se-á o Direito, cuja existência cultural é indiscutível.
O projeto de lei, em consequência, deve ser interpretado conforme a realidade social. O fato estimula a norma.
O projeto que altera o art. 9º, especificamente o disposto na alínea f do inciso I do Código Penal Militar, tem sua história. Os acontecimentos do chamado massacre do Carandiru se evidenciam como causa imediata. Estudo mais profundo faz presente contexto mais amplo. Na verdade debate-se a eficácia da Justiça Militar.
O Poder Judiciário só se justifica como garantia de preservação de direitos. Instante de Justiça material. Impossível tê-lo como proteção de segmentos sociais. Há de projetar o Direito justo (justo, aqui, soa até como pleonasmo).
Deslocar o julgamento de oficiais e praças das polícias militares e de corpos de bombeiros militares para a Justiça comum, sem qualquer ressalva, pode se justificar em função de caso concreto. O juiz também, como a mulher de César, não basta ser honesto; precisa parecer honesto!
O projeto de lei é de alcance radical. Desconsidera aspecto importante, fundamental para a separação (especialização) dos órgãos judiciários.
A Justiça Militar não surgiu por acaso. Tem sua história. Na Justiça do Trabalho, como na Justiça comum (Justiça Federal, Justiça dos Estados, do Distrito Federal), para divisão da competência cível e criminal, adota-se como critério o bem jurídico tutelado.
Cumpre estabelecer a necessária distinção. Dar-se-á, com isso, a real dimensão e finalidade da Justiça Militar.
O projeto menciona "função policial", "serviços de policiamento".
O militar, no exercício da atividade essencialmente militar, deve ser processado e julgado pela Justiça Militar. O objeto jurídico, antes de tudo, projeta as instituições militares. Cumpre, pois, elaborar distinção. Não é aleatória.
O conceito de policiamento em si mesmo é insuficiente; deve ser qualificado. Só assim ter-se-á a compreensão do policiamento tipicamente militar, distinguindo-o do policiamento por militar, embora não diga respeito às instituições militares, entendidas materialmente, sem a inclusão de atividades cometidas por lei (formalmente), por interesse ou conveniência de momento.
No primeiro caso as instituições militares estão em risco; no segundo, ainda que o policiamento seja excessivo, podendo caracterizar delito, não serão afetadas. Pietro Vico, ao expor o que entende por crimes militares, projeta idéias simples, porém significativas: aqueles cuja prática não seria possível senão por militar.
Assim, policiamento militar (relativo à atividade típica de militar) deve ser analisado pela Justiça Militar. O policiamento de militar (relativo à atividade não-típica de militar), melhor ser levado ao julgamento da Justiça comum "in medius, virtus".

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