São Paulo, sábado, 17 de fevereiro de 1996
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A tragédia e o sonho

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Parece que, afinal, a mídia aqui do Rio despertou de seu torpor carnavalesco para olhar em redor e ver a desolação em que a cidade se transformou depois de dois temporais. Mais uma vez, tivemos deslizamentos de encostas, galerias entupidas, falta absoluta de coordenação na defesa civil e, em consequência, milhares de desabrigados, centenas de desaparecidos e mortos.
No entanto, como aquela letra do Vinicius, mais que nunca é preciso cantar. O prefeito estava em Atlanta -nunca está onde deve. E prefere gastar mais de R$ 220 milhões num equivocado e suburbano embelezamento da zona sul, destinando apenas 40 milhões para a proteção da vida e da segurança de seus habitantes, incluídos pobres e ricos distribuídos e ameaçados em todas as zonas da cidade.
Poucas vezes tivemos um projeto tão idiota quanto o Rio Cidade. Além de esburacar a cidade e infernizar o trânsito, está ampliando calçadas que já eram grandes para ajudar a instalação de uma rede de cabos de TV. Dando de barato que não há dinheiro grosso envolvendo essa ajuda, nunca se viu tamanho despudor com o erário municipal. Há buracos que atravessam certas ruas em pontos determinados, sem nada a ver com as calçadas ou qualquer outro item de embelezamento ou conforto. Esses buracos coincidem espantosamente com os logradouros em que a TV a cabo ainda não chegou. Mas chegará, por conta do dinheiro público.
Lastimável, também, o conceito de embelezamento gerado e executado pelo prefeito Maia. Aprovou o delírio de vitrinistas que se passam por arquitetos. Aumentou calçadas e estreitou pistas de rolamento para criar espaços inúteis, de visual cafona, provinciano.
Na hora das cobranças, o blablablá das autoridades municipais é feito num tecnocrês que combina com a idiotice do projeto. Um prefeito que só pensa em réveillon e coreto demonstra sua total insensibilidade e, segundo suspeitam, sua parcial sanidade mental. Por conta de administradores como ele, o sonho das Olimpíadas ficou bem mais impossível.

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