São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 1996
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Intelectuais apontam retrocesso político-social

REINALDO AZEVEDO; DANIEL BRAMATTI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Há quem veja hoje no país não apenas uma crise da democracia representativa como aposte em que está em curso um processo de regressão social e política como jamais se viu.
A reforma da Previdência e a negociação do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo são sintomas exemplares disso.
"Não há oposição no Brasil", dispara Olgária Mattos, professora do Departamento de Filosofia, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
E avança: "Vive-se hoje o fetichismo do número. O próprio Delfim (deputado Delfim Netto, PPB-SP) já disse que os números são como oratória em comício. Prova tudo o que a gente quiser".
Para Olgária, o presidente da CUT, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, acabou sendo vítima desse "jogo perverso".
A professora avalia que FHC comanda a marcha a ré dos direitos sociais: "Ele é a cara do conservadorismo, que trabalha com as grandes abstrações como o povo, a nação, o Brasil. Não existe o Brasil. Existem os brasileiros".
Olgária avalia que os processos em curso "abolem a dimensão do futuro, que é a dimensão do possível, não do necessário".
Olgária faz um recorte na história contemporânea e registra: "Hoje, quem está organizado é o capital financeiro. Não há mais regras para o acúmulo de capital. Vale tudo. Os trabalhadores estão desorganizados. De que adianta a negociação direta, se só se negocia a perda de direitos?"
E exemplifica com sua própria categoria: "Veja o caso dos professores universitários. Estamos sendo tratados como uma quadrilha. O governo acha que todo professor de terceiro grau é titular da USP. Mentira. A maioria é horista de faculdades particulares e tem de dar aula em três ou quatro escolas para sobreviver. O professor Fernando Henrique deveria honrar a instituição da qual saiu".
O historiador Carlos Guilherme Motta, professor de História Contemporânea e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP, recorre a uma categoria de um antigo mestre de FHC, o professor e ex-deputado petista já morto Florestan Fernandes, para fulminar: "Não há avanço nenhum. Essas negociações mostram apenas que o Brasil nem sequer chegou à democracia burguesa. O modelo é autocrático-burguês".
Motta se diz perplexo: "Como é que se tenta voltar a uma situação anterior à Constituição de 1988, conquistada depois de muita luta, inclusive armada?".
E toca numa conhecida tecla: "A desmobilização da memória é um mecanismo clássico de dominação. É preciso que se diga que se chegou a essa Constituição inclusive com a ajuda de Fernando Henrique".
Para Motta, a reforma da Previdência e o acordo tentado pelos metalúrgicos de São Paulo traduzem um recuo "ao capitalismo selvagem, que se aproveita da conjuntura internacional para pôr de joelhos o mundo do trabalho".
E, de professor para professor, manda um recado ao presidente: "Fernando Henrique sabe muito bem que o padrão que precisa ser rompido no Brasil são os mecanismos de acumulação primitiva do capital, e não o da democracia representativa".
(Reinaldo Azevedo e Daniel Bramatti)

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