São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 1996
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Plano de desindustrialização

LUCIANO COUTINHO

Mais do que nunca seria necessária uma política de desenvolvimento industrial. Infelizmente, com exceção de alguns setores com tarifa aduaneira muito alta, a maior parte da indústria está sujeita a uma violenta concorrência de produtos importados que resulta das seguintes condições:
1) câmbio sobrevalorizado que estimula as importações e penaliza as exportações; 2) juros domésticos muito elevados, o que determina a preferência por produtos importados, financiados com prazos longos e juros muito baixos.
O resultado vem sendo a progressiva desindustrialização do país, com exceção de poucos setores. Existem indícios claros de retrocesso em setores de peso na matriz industrial: têxteis, produtos químicos, brinquedos, máquinas, autopeças, cosméticos, vinhos, componentes elétricos e eletrônicos, eletrodomésticos de baixo valor unitário -só para citar alguns.
A percepção desse processo pelo governo parece, no mínimo, míope e viesada. Míope porque não enxerga as consequências já gritantes da desindustrialização. E viesada porque parece ter abraçado acriticamente a obsoleta visão liberal do Banco Mundial (Bird).
Com efeito, o Bird foi forçado a reconhecer a relevância das políticas industriais seletivas, ainda que de forma envergonhada e parcial -por causa da pressão japonesa que obrigou-o a estudar o desenvolvimento dos países asiáticos.
No estudo "The East Asian Miracle: Economic Growth and Public Policy", os técnicos do Bird foram compelidos a reconhecer que: 1) os sistemas asiáticos de promoção de exportações foram muito bem sucedidos, evitando-se a sobrevalorização da taxa de câmbio, além da utilização de certos incentivos aceitáveis pela OMC; 2) a existência de taxas de juros reduzidas (abaixo de 3% ao ano em termos reais e em certos casos negativos) e prazos longos foi fundamental para alavancar a capacidade privada de acumulação de capital; 3) o intenso esforço educacional público foi essencial para criar uma força de trabalho apta e preparada para as exigências das novas tecnologias; 4) os investimentos públicos em infra-estrutura urbana foram importantes para reduzir os custos salariais.
Apesar de insuficiente -por não reconhecer, também, a relevância das políticas de incentivo à capacitação tecnológica e à P&D; de reforço à formação de grupos empresariais de grande porte; de reforma agrária e de criação de uma sociedade mais igualitária-, o estudo avançou em face da doutrina que apenas confiava nas virtudes do livre mercado.
As autoridades brasileiras precisam se atualizar e absorver ao menos parte desta lição. Caso contrário, o Plano Real, bem-sucedido no controle da inflação, o será, também, na inglória tarefa de desindustrializar o Brasil.

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