São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 1996
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Uma Suprema Corte de fato

ANTONIO KANDIR

Nos últimos anos, contam-se aos milhões as ações judiciais em que se alega a inconstitucionalidade de medidas do Poder Público, resultado de uma combinação historicamente perversa. De um lado, uma Constituição extensa e detalhista. De outro, a crise do Estado gerando situações excepcionais.
Salvo engano, não se trata de fenômeno episódico. Esta tensão é inerente ao processo de formação de um novo Estado no Brasil.
A experiência mostra dois grandes problemas daí decorrentes:
1. como os processos levam anos até a sentença definitiva, perdura por longo tempo incerteza jurídica quanto ao direito de fato ou supostamente ameaçado e quanto à subsistência da medida contestada;
2. como as decisões do Supremo Tribunal Federal não subordinam decisões em instâncias inferiores, não há garantia alguma de que, ao final, prevaleça uma só e definitiva decisão a respeito.
Daí sobressai a incapacidade do Judiciário de resolver de modo rápido e eficaz conflitos que não raro dizem respeito a milhões de pessoas e são essenciais para a normalidade das relações econômicas, sociais e políticas.
A inexistência de resposta a esses conflitos é obstáculo à consistência das políticas de governo e uma ameaça aos cidadãos, cujos direitos muitas vezes já se encontram irremediavelmente prejudicados ao final do processo.
É hora, pois, de colocar mudanças em pauta: a permissão para que o STF avoque a si, sem necessidade de aguardar o trâmite normal, a decisão última sobre matéria constitucional, e que esta decisão tenha efeito subordinante.
A avocatória permitiria abreviar o tempo em que subsiste dúvida sobre a constitucionalidade de uma medida e o efeito subordinante impediria o conflito entre decisões do Supremo e de tribunais inferiores, assegurando uniformidade jurídica em matéria constitucional.
Há, sim, objeções pertinentes a fazer a ambas as mudanças, desde logo a de que poderia haver concentração de poderes excessivos em mãos de um só colegiado.
Mas se o preço a pagar pelo estado atual de coisas é uma situação de insegurança e desuniformidade jurídica que pode ser levada ao paroxismo, não seria o caso de dotar o STF dos instrumentos necessários para exercer de fato o controle constitucional, circunscrevendo claramente o limite de sua utilização? Ao fazê-lo não estaríamos criando a necessidade de que a aprovação de nomes para o STF passe a ser autêntica sabatina pública, como ocorre nos EUA?
São questões que não comportam respostas fáceis, mas que não podem ficar indefinidamente em aberto, a menos que se acredite que os conflitos de ordem constitucional tenham pouca importância prática ou tendam a reduzir-se a número desprezível.

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