São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 1996
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O FILHO DO TROVÃO

ANA MARIA GUARIGLIA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Na tarde do último dia 6, uma terça-feira de sol forte em Salvador, a Folha reuniu para uma conversa dois grandes expoentes da fotografia brasileira, Pierre Verger e Mario Cravo Neto.
O encontro aconteceu no morro do Corrupio, na casa de Verger, toda de madeira pintada de vermelho, para lembrar que ele era filho de Xangô, o deus do trovão.
Cercado por curiosos que queriam assistir a entrevista, Verger respondeu durante quase uma hora às perguntas de Cravo Neto, de quem tirou uma foto, a pedido da Folha. Há quase 30 anos não pegava numa câmera.
Seria a última imagem registrada pelo babalaô Fatumbi, como Verger era chamado. Cinco dias depois, no domingo, 11, ele morreu, aos 93 anos, de edema agudo no pulmão e insuficiência cardíaca.
Fotógrafo, etnólogo, antropólogo, autor de mais de 40 livros, Verger nasceu em Paris, em 4 de novembro de 1902. Seus pais, de ascendência belga e alemã, eram donos de uma grande gráfica na capital francesa.
Começou a fotografar em 1932, na mesma época do seu conterrâneo Cartier-Bresson. A partir dessa época, até 1946, viajou pela Europa, esteve na China, nas ilhas da Polinésia, no Japão, África e no México.
Na América Latina, esteve no Brasil em 41, seguindo para a Argentina. Entre 42 e 46, fixou residência em Lima, no Peru.
Em 46, voltou ao Brasil. Como conseguira trabalho em "O Cruzeiro", obteve permanência fixa no país. Fez reportagens sobre o candomblé, impressionando-se com a cultura dos descendentes dos africanos.
Em 47, recebeu uma bolsa de estudos de Théodore Monod, diretor do Institut Français d'Afrique Noire, para estudar durante um ano na École Française d'Afrique. No ano seguinte, começou a escrever, tornando-se mais ocupado com suas pesquisas sobre a cultura afro do que com a fotografia.
Em 49, Verger descobriu na África documentos do século 19 sobre o tráfico de escravos entre o golfo da Guiné e a Bahia. Dedicou 17 anos de estudos a esse fato, que resultou em uma tese na Sorbonne, em 66.
Envolvido com os rituais afros, foi consagrado a Xangô e recebeu o título de babalaô Fatumbi -o renascido-, na África, em 52.
Produziu cerca de 65 mil negativos de fotos, além de filmes e gravações, que pertencem à fundação que leva seu nome, em anexo à sua casa. Seu último livro foi "Ewé" (Cia. das Letras), sobre o uso medicinal das ervas. Antes de morrer, estava preparando sua primeira exposição em Nova York, na Witkins Gallery (sem data prevista).
Seu entrevistador, Mario Cravo Neto, nascido em Salvador, em 47, cresceu acompanhando a vida de Verger, devido à amizade entre ele e seu pai, o escultor Mario Cravo. Além de fotógrafo, é escultor e estudou no Art Students' League, em Nova York. Suas obras são conhecidas na Europa e nos EUA por meio de publicações e exposições. É também autor de vários livros, como "Cravo" e "Ex-Votos" (ed. Áries).

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