São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 1996
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Estão iludindo os trabalhadores

GILBERTO DIMENSTEIN

Dos 132 milhões de trabalhadores americanos, 12 milhões ganham por mês apenas um salário mínimo: US$ 708 mensais. Indigno para os padrões locais -pouco mais do que o dobro do que um mendigo, em média, arrecada em Nova York (US$ 300 por mês) e metade do rendimento de uma empregada doméstica.
O salário mínimo americano -sete vezes o brasileiro- mostra que o presidente Fernando Henrique Cardoso, acompanhado de ministros, empresários e economistas, se seduziu por uma moda e vende uma ilusão ao país. Uma ilusão que, literalmente, vai sair caro aos trabalhadores.
A ilusão: a redução dos encargos sociais dos trabalhadores é a solução para o desemprego. Está obviamente errado; um erro capaz não de reduzir o "custo Brasil", mas de garantir os privilégios da "casta Brasil".
Comparado ao dos países desenvolvidos, onde o Brasil quer chegar, o salário brasileiro é indigente -portanto, o custo da mão-de-obra, por mais altos que sejam os encargos, é ridículo.
Saudado em círculos oficiais e empresariais como um avanço, o acordo com a Metalúrgica Aliança, em São Paulo, reduzindo os encargos sociais, prevê a contratação de trabalhadores por um salário médio de US$ 800.
É a média do salários dos metalúrgicos da região do ABC, considerados a "aristocracia" do operariado -mas se igualam ao salário mínimo dos EUA, onde os trabalhadores, por sua vez, se sentem (e com razão) inferiores aos europeus.
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Claro que, nesse momento, reduzir o peso da mão-de-obra ajuda, em tese, a combater o desemprego -mas é apenas um detalhe.
Aliás, quem garante que o corte dos encargos não vai aumentar o lucro das empresas, exatamente como ocorre nos EUA?
Apesar do aumento da produtividade, o salário nos EUA está menor do que há 20 anos.
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Se o presidente Fernando Henrique e seus ministros estão, de fato, incomodados com o subdesenvolvimento, deveriam obviamente considerar baixos os salários -portanto, o crescimento econômico teria por obrigação elevar o rendimento do trabalhador.
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Mas, pela lógica oficial, amparada por empresários e economistas, o crescimento com distribuição de renda tende a se converter em inimigo do trabalhador.
Afinal, o trabalhador vai ganhar mais, prejudicando o nível de emprego e, de quebra, as exportações; seu salário teria de ser eternamente cortado em nome da produtividade e da globalização.
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A lógica descamba para o absurdo: a pobreza do trabalhador seria essencial para o desenvolvimento brasileiro. Afinal, numa economia globalizada, o país necessitaria da miséria para produzir a baixo custo.
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Está para sair um estudo de dois economistas, Alberto Alesina e Roberto Perotti, respectivamente de Harvard e Columbia, comparando 70 países. Segundo eles, há uma relação direta entre melhor distribuição de renda e crescimento econômico.
Um dos motivos: melhor distribuição de renda significa maior nível educacional e, assim, produz-se um trabalhador qualificado e produtivo.
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Depois de 20 anos de profissão, desenvolvi um reflexo condicionado: quando economistas lançam uma moda, coloco a mão no bolso.
Hoje, nos EUA, quem falar em reengenharia é capaz de apanhar em praça pública.
E vai apanhar de patrões e empregados.
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Por falar em salários, Gilbert Amelio, novo presidente da Apple, fabricante de computadores, entrou na lista dos mais bem pagos executivos do planeta. Para tentar recuperar a companhia, ele vai ganhar, entre benefícios diretos e indiretos, US$ 1 milhão por mês.
Além desse rendimento, ele tem participação nos lucros -sem contar a valorização das 200 mil ações da empresa a que terá direito todos os anos.
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Para quem gosta de comer bem e tem tempo (muito tempo) para esperar, uma dica do "The New York Times".
Nas mãos da mesma família há cem anos e localizado no East Harlem, conhecido pelo tiroteio entre gangues de traficantes, o Rao's tem apenas dez mesas, a maioria delas reservadas para clientes fixos -os cineastas Woody Allen e Martin Scorsese, por exemplo.
Quem quiser se aventurar nos segredos da culinária italiana do Rao's vai esperar, no mínimo, quatro meses.
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Quem não puder esperar tanto, não vai sofrer: segundo o último "censo" gastronômico, Nova York tem 10 mil restaurantes para 7 milhões de habitantes.
Se alguém tivesse a lunática intenção de conhecer todos os restaurantes, precisaria de 27 anos -considerando-se a hipótese não menos lunática de que nenhum restaurante fosse aberto nesses 27 anos.
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Na nota principal desta coluna, critiquei Fernando Henrique, mas para tentar ser justo, tenho de reconhecer. A baixa da inflação teve um expressivo impacto contra a miséria, embora sua ação social ainda seja fraca.
Ele resistiu à gigantesca barulheira para afrouxar sua política econômica -uma barulheira que envolveu, pelos bastidores, ministros como José Serra e Sérgio Motta, alimentando o coro de economistas e das mais destacadas personalidades do empresariado.
A julgar pelo desempenho da economia nos meses de dezembro e janeiro, mais aquecida do que a imensa maioria das previsões, se o presidente tivesse seguido o coro dos descontentes, a inflação hoje seria bem maior, e as contas externas estariam estranguladas.
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Um detalhe da barulheira: depois de preverem o caos por vários meses consecutivos, fabricantes de veículos anunciaram recordes de produção em janeiro.
Quando demitiam, responsabilizavam a queda de produção. Pergunta: eles agora também estão contratando em níveis recordes?
PS - Infelizmente, o desemprego é um fenômeno mais complexo do que se imagina.

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