São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 1996
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A morte lenta da política

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Era uma vez um tempo em que, cada vez que ouvia alguém dizer que não gostava ou não entendia de política, sorria condescendente e tinha vontade de recitar um texto em que Bertolt Brecht diz que o pior analfabeto é o analfabeto político.
Suspeito que, agora, seria inútil, ainda que não precisasse esclarecer antes ao interlocutor que Brecht não é nem ponta-esquerda de uma seleção européia nem vocalista de uma banda de rock nem o nome do mais recente videogame.
A política é um exercício em extinção no mundo. Pesquisas recentes no Chile e na Argentina, dois dos países mais politizados que conheço, o demonstram. Na Argentina, a comparação é com 1984, o ano da mais recente redemocratização, o que torna os números impressionantes.
Há 12 anos, 23% dos argentinos diziam não ter interesse na política contra 43% que, sim, tinham. No ano passado, eram 45% os desinteressados contra apenas 35% de interessados (e foi ano de eleição presidencial, note-se).
Já a pesquisa chilena dá uma pista de uma das muitas causas que levaram a política a morrer como assunto de interesse público. Os pesquisados não acreditam que haja muita diferença na maneira como o país é governado, estando no poder a atual coalizão centro-esquerdista "Concertación por la Democracia" ou a direita (a conservadora "Unión por Chile").
Sumiu, portanto, o fator Fla-Flu da disputa político-eleitoral. Bem no Chile, em que as eleições, até a vitória do socialista Salvador Allende, em 70, eram tudo ou nada, direita ou esquerda, a salvação da pátria ou o apocalipse.
Agora, não. Os políticos, com uma ou outra exceção, falam todos a mesma linguagem e, o que talvez seja pior, quem destoa da uniformidade é encarado pelo eleitor com desconfiança.
Além disso, os políticos falam cada vez menos o idioma da rua. Dissolvidos os grandes conflitos ideológicos, o eleitor voltou-se para o cotidiano mais elementar. Os políticos continuaram, salvo raras exceções, gongóricos, tribunos de causas que já não têm apelo, por justas que eventualmente sejam.

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