São Paulo, segunda-feira, 19 de fevereiro de 1996
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Ação do governo racha MST no Pontal

GEORGE ALONSO
ENVIADO ESPECIAL AO PONTAL DO PARANAPANEMA

"Aqui o movimento não entra! Acabou!", grita uma sem-terra na fazenda Santa Carmem, Pontal do Paranapanema (SP). Constrangido, Ivan Bueno, militante do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), deixa o assentamento.
A cena, inesperada, ocorreu na terça-feira, 13, e reflete o descontentamento com o MST (mais propriamente com as lideranças) de cerca de 40% das 1.300 famílias de sem-terra assentadas pelo governo paulista. Elas estão em lotes provisórios ali desde dezembro.
"Hoje, 20% das famílias assentadas estão com o Estado. Outras 20% estão em cima do muro. Mas o MST tem 60% das famílias", diz Valmir Rodrigues Chaves, da coordenação estadual da entidade.
Chaves atesta o divórcio entre o MST e dezenas de famílias no Pontal (extremo oeste do Estado).
Mesmo acampado em assentamentos precários, esse contingente de sem-terra não poupa críticas a líderes do MST, por "autoritarismo" e "desvios de conduta".
"Eles são ferida brava, são corruptos. O movimento somos nós", afirma José Pereira Silva, 57, outro assentado na Santa Carmem.
O grupo diz que foi preterido pelo MST na distribuição dos lotes, por se recusar a participar de invasões e não pagar as multas pelas faltas (leia texto abaixo).
O caso da Santa Carmem é um exemplo. O maior erro e a principal causa da dissidência foi o fato de o MST ter apostado que o governo não cumpriria a promessa de assentar oficialmente 1.050 famílias até 31 de dezembro de 1995. O governo obteve 30% da área de nove fazendas e fez meio serviço.
O MST exige lotes definitivos (100% das fazendas). Pediu às famílias para recusar os lotes provisórios, arrumados às pressas e no limite do prazo pelo governo.
Porém, as famílias -exaustas com o sofrimento de cinco anos de acampamentos, invasões e despejos- preferiram aceitar a proposta do governo do Estado.
"Nós tava sofrido, meu filho, nesses barracos de plástico. A gente tava cansado de invadir terra por aí", diz Plácido dos Santos, 59, sergipano com 40 anos de Pontal e agora com lote provisório na fazenda Santa Apolônia, uma das piores terras da região. Continua morando em microbarraco de plástico à espera do lote definitivo.
Na mesma fazenda, o ex-tudo (pedreiro, carpinteiro, bóia-fria) Benedito Laurentino Silva, 56, oito filhos, dá seu veredito: "É bem verdade, o governo não fez o prometido. Mas pra quem só tinha despejo, tamo animado".
Sua mulher, Conceição, 53, dez despejos, também defende quem aceitou os lotes provisórios. "O Rainha ficou bravo. Temos grande respeito por ele. Sem ele, não estaríamos aqui. Mas nós era louco por um pedaço de terra. Tamo cansado de fazer tanta invasão."
Na fazenda Santana, onde o governo montou um novo acampamento (embora chame de assentamento), Ailton Barbosa, 25, o "Zóinho", reclama da postura dos líderes do MST no Pontal: "Eles querem ter o controle de tudo".
A frase de "Zóinho" revela o que ali todo mundo sabe: governo do Estado e MST travam uma guerra surda para controlar os assentamentos. O governo chegou anunciando terra, recursos, apoio. Tirou proveito da fragilidade e de erros da organização do MST.
"O governo veio lotado de promessas, água, R$ 840 de fomento, cesta básica. Foi o método que o Estado usou para tentar rachar o MST", afirma o militante Chaves.
Já Geraldo de Oliveira, 49, ex-dirigente do MST, tem outra visão: "A dissidência ocorreu exatamente porque o MST não percebeu o cansaço, o esgotamento físico e financeiro das famílias".
A queda-de-braço entre governo e MST só tem uma vítima, segundo o assentado Joel Ribeiro, 40: "Quem sofre somos nós. Não somos contra o MST nem a favor do governo. O Itesp (Instituto de Terras) brigou com o MST e o MST rompeu com o governo. Decidimos aceitar os 30% das fazendas".
"O MST batalha pela terra, mas não tem recursos. Sem o MST, não estaríamos aqui. Mas se Deus der a terra, eu vou. Se o diabo der, também. E o diabo tem o dinheiro", diz Afonso do Nascimento, 43, assentado na Santa Cruz.
Para Oliveira, ex-integrante da coordenação estadual da entidade, há outra razão para o desgaste: "O MST toma as decisões e depois consulta. As pessoas nunca podem dizer 'não' ao movimento".
Outra crítica que Oliveira faz ao MST é que "faltou trabalho de base". "Não foi feita conscientização. Só ficaram pedindo dinheiro às famílias para manter as ocupações. É hora de trocar as lideranças." A constante coleta é uma das grandes queixas das famílias.
Gilmar Mauro, líder nacional do MST, rejeita a troca de dirigentes ali. Mas admite erros. "Fomos incapazes de explicar o que ocorria, por isso há divergências do povo com Zé Rainha e outros líderes."
Para o MST, o governo não tem um plano de desenvolvimento para o Pontal. "Os lotes provisórios vão servir de contrapropaganda da reforma agrária. É preciso ter condições para produzir. Sabemos que assentamento provisório fracassa, não dá certo", diz Mauro.

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