São Paulo, segunda-feira, 19 de fevereiro de 1996
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Polêmicas tendem a ser esquecidas

DA REPORTAGEM LOCAL

A Folha procurou algumas das pessoas que, no passado, se queixaram do tratamento recebido em reportagens.
Muitas das reclamações, incisivas na época dos episódios que as provocaram, não foram sequer lembradas por seus protagonistas. A maioria envolvia candidatos em período eleitoral.
Os políticos hoje minimizam os incidentes que os envolveram e elogiam a liberdade de imprensa (leia declarações ao lado).
Na área de educação, o jornal abriu uma grande polêmica sobre avaliação universitária ao publicar em 1988 uma lista de 4.398 docentes da USP que nada teriam produzido no biênio 85-86. A lista provocou forte reação dos professores universitários.
Nas páginas policiais, houve pelo menos um caso de evidente injustiça, cometido pela Folha e por outros órgãos da mídia, envolvendo os donos da Escola Base (SP).
Eles foram acusados pela polícia, em 1994, de praticarem abuso sexual contra crianças. Icushiro Shimada, um dos sócios da escola, diz que o caso afetou irremediavelmente sua vida.
Duas pessoas não atenderam a reportagem: o ex-presidente Fernando Collor de Mello e o ex-governador do Rio Leonel Brizola.

Paulo Maluf, prefeito de São Paulo.
Obteve direito de resposta na campanha de 92 à prefeitura de São Paulo para responder artigo de José Carlos Dias, segundo o qual haveria um acordo sigiloso entre Maluf e Orestes Quércia.
"Não me lembrava do episódio, mas não guardo mágoa de nenhuma injustiça. Acho que o papel da Folha e da grande imprensa se assemelham ao de um Tribunal de Contas que fiscaliza todos os dias. Os jornais são como um auditor, e isso é bom. Quando um jornal faz uma denúncia, ele ajuda o governante de plantão. O que eu critico na imprensa é o fato de o lide das reportagens não coincidirem com as informações do resto do texto."

Icushiro Shimada
Ex-sócio da Escola de Base, injustamente acusada, em 94, de promover a sedução de crianças.
"A Folha e os outros jornais foram na conversa do delegado de polícia. Tudo aquilo ainda me prejudica muito. Tive dois infartos agora em novembro. Minha mulher, Aparecida, está em tratamento psiquiátrico. O tempo não volta atrás. Nunca, as coisas serão de novo como eram. Minha vida mudou radicalmente. A gente se esforça durante 35 anos para construir alguma coisa, e tudo é destruído em cinco minutos. Estou com 51 anos e não tenho mais tempo ou energia para recomeçar de novo. Hoje, eu desconfio muito dos jornalistas."

Bernardo Cabral, senador (AM-sem partido)
Ministro da Justiça de Collor, desencadeou o processo contra jornalistas da Folha por suposto crime contra a honra do ex-presidente.
"O que eu colho desse episódio é que a Folha, com sua idade provecta e com sua maturidade, ampliou sua capacidade de escolha e confirma a justiça das análises que desenvolve em favor do povo brasileiro. Defendo a liberdade de imprensa mais aberta possível. Se a imprensa não for livre hoje para me criticar, ela não estará também livre no futuro para me defender. Gosto na Folha do espaço aberto aos leitores e ao reconhecimento dos erros na seção 'Erramos'."

Eduardo Suplicy, 52, senador (PT-SP)
Desmentiu notícia em 1990, quando presidente da Câmara paulistana, de que negociava acordo com o PMDB para a sua sucessão.
"O episódio tem hoje importância menor. Nas minhas candidaturas (a prefeito, governador e ao Senado), a Folha foi muitas vezes bastante rigorosa na cobertura da campanha. Um candidato majoritário naturalmente leva sustos ao comprar o jornal. Entre minhas críticas, acho que o caderno "De Olho no Congresso" deveria registrar a qualidade do exercício do mandato parlamentar. Em cinco anos no Senado, encaminhei 145 requerimentos de informação."

Lobão, cantor
Criticou o título "Show de Lobão termina em briga no Palace", em 89, por achar que dava a impressão de que ele estava envolvido na briga ocorrida na platéia.
"Não me lembro bem disso, mas é bom que a mídia esteja repensando a si mesma. Essa autocrítica ocorre em meio a uma confusão de valores muito grande. Depois da queda do Collor, a imprensa se inebriou com o seu próprio poder. Ficou arrogante. Suas críticas de espetáculos são muito sentenciosas. Com isso, o leitor também percebeu que a imprensa não deveria ser levada sempre a sério. A expressão "coisas da imprensa" virou sinônimo de boato."

Ibrahim Abi Ackel, deputado federal (PPR-MG)
Em 83, como ministro da Justiça, pediu o enquadramento do jornal na Lei de Segurança Nacional, por reportagem sobre a Capemi.
"Não tenho uma lembrança precisa do episódio. O ministro da Justiça é uma posta restante. A lei lhe impõe como obrigação receber um pedido e encaminhá-lo ao procurador-geral da República. Isso acontecia todo dia. Quanto a outros episódios delicados em meu relacionamento com a Folha, não desejo falar no assunto. Isso é bom para quem bateu, nobre pelo 'mea culpa' praticado. Mas é muito penoso para quem apanhou, porque não cura as feridas ainda abertas."

Jacó Guinsburg, 74, professor-titular da USP
Discordou em 1988 de sua inclusão na lista de "professores improdutivos" da USP.
"Nos casos em que tive oportunidade de acompanhar, a lista não refletia a produção dos professores. Não posso dizer que a lista como um todo estava errada. Mas ela fez injustiça com muitos docentes, apontados como improdutivos, mas que tinham extensos trabalhos, como o professor João Alexandre Barbosa. Eu era colaborador regular de jornais. Não critico o procedimento da Folha, que usou uma matéria de interesse jornalístico. O problema é como a lista foi elaborada. Deveria ter sido feita uma averiguação dos nomes envolvidos."

Guilherme Afif Domingos, presidente do Sebrae
Em 89, quando candidato à Presidência, queixou-se de notícia de que dizia que ele havia se licenciado da Câmara dos Deputados.
"Tenho, como este, vários outros episódios em minha vida. Mas há sempre aquela frase segundo a qual 'político que se queixa da imprensa é o mesmo que marujo que se queixa do balanço do mar'. Sobre a mídia em geral, as manchetes dos últimos tempos põem em relevo o Estado e não a nação. Mas o Estado é o problema, e não a solução. Com isso, a mídia concentra excessivamente sua atenção em Brasília e ignora aqueles que estão encontrando novas vias para a sobrevivência."

Hector Babenco, cineasta
O cineasta reclamou, em 91, de transcrição truncada de declarações suas em reportagem.
"Em geral, não tenho muito que me queixar da imprensa. Mas se lê muita leviandade cometida em nome da pressa do fechamento de um jornal, que na manhã seguinte é bíblia e um dia depois está embrulhando peixe. É o lado ingrato do jornalismo. Eu já fui algumas vezes entrevistado pelo 'The New York Times' e, depois de cada entrevista, recebia telefonemas em que me pediam para confirmar desde minha idade até a literalidade de certas opiniões. No Brasil, infelizmente, as coisas são muito menos respeitosas."

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