São Paulo, segunda-feira, 19 de fevereiro de 1996
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O emprego e o caos conceitual

LUÍS NASSIF

A questão do emprego tem dado margem a rios de papel e tinta, que muitas vezes mais atrapalham que ajudam a discussão. É espantosa a quantidade de conceitos conflitantes que coabitam no mesmo espaço.
Dia desses, por exemplo, um articulista levantou uma série de argumentos contra a flexibilização dos contratos de trabalho. A base de seu raciocínio era a seguinte:
1) Há uma conspiração de empresários e economistas para garfar os trabalhadores de seus direitos essenciais.
2) Dois economistas norte-americanos estão para lançar tese que comprova que crescimento econômico guarda relação direta com distribuição de renda. Com esses contratos de trabalho, os conspiradores querem reduzir os salários e, com isso, reduzir o crescimento e a distribuição de renda.
Para aceitar a tese da conspiração, teria que se admitir que o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo (que propôs o acordo provisório de trabalho) e o do ABC (que negociou a jornada flexível) estão infiltrados de empresários agitadores.
Crescimento
Deixe-se de lado essa prática cacete de transformar toda discussão na luta do bem contra o mal, e analise-se o argumento do crescimento econômico e da distribuição de renda.
Há duas correntes entre os economistas. A corrente um (chamemos assim) sustenta que o Estado deve continuar cumprindo e até ampliando a cobertura social -o que implica aumentar o nível de impostos.
E a corrente dois, que considera que a melhor maneira de melhorar a renda geral é melhorar a competitividade dos produtos nacionais.
Esse ciclo já foi exaustivamente estudado na década passada, e tem como modelo os chamados tigres asiáticos.
No início, seus produtos competem no mercado internacional graças à exploração da mão-de-obra barata. À medida em que vão se acumulando capital e desenvolvimento, automaticamente há oferta maior de empregos.
Com mais empresas disputando o mesmo contingente de trabalhadores, e com o governo investindo em educação, haverá aumento automático da qualidade do emprego e do nível dos salários pagos.
Foi esse modelo que permitiu aos tigres asiáticos extirpar a miséria absoluta e se transformarem nas economias mais dinâmicas do planeta.
O próprio Sindicato dos Metalúrgicos do ABC reconheceu esse processo, no histórico documento que embasou o acordo da Câmara Setorial da Indústria Automobilística.
Alhos e bugalhos
As duas escolas comportam argumentos a favor e contra. O que não se pode é misturar alhos e bugalhos.
O que os economistas citados quiseram dizer é que o crescimento econômico (permitindo acumular capital e aumentando a competição por emprego) cria condições para a distribuição de renda.
O articulista confunde as bolas e diz que a distribuição de renda é que leva ao crescimento econômico, portanto o governo tem que proceder a uma distribuição de renda por decreto, para garantir o crescimento econômico.
Fica uma confusão infernal, porque os argumentos são jogados ao léu, sem preocupação de manterem coerência entre si.
Sugere-se uma coisa aqui, e outra acolá, conflitantes entre si, as duas sendo apresentadas como verdades absolutas, no mesmo espaço de papel.
Quem garante que a redução dos encargos não vai servir só para aumentar o lucro das empresa? Indaga o articulista.
Ninguém garante, porque a idéia é justamente esta: melhorar a rentabilidade das empresas, para permitir que sejam mais competitivas, que ampliem sua produção e, como consequência, aumentem o emprego e os salários.
Vai levar tempo para o país exorcizar por completo a visão dos anos 70 -de uma economia cartorial e repleta de privilégios- e entender que o lucro é elemento essencial em qualquer processo de crescimento.
Sem lucro não há investimentos nem emprego.

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