São Paulo, segunda-feira, 19 de fevereiro de 1996 |
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Somos todos Nilson Gibson
JOSIAS DE SOUZA SÃO PAULO - Ah, como é falsa a alma do brasileiro. Concluo a frase assim, com um simples ponto final, e já me arrependo.Sei que o texto jornalístico não recomenda o espalhafato. Mas a ocasião reclama algo além do relato frio e objetivo dos fatos. O momento exige a ênfase de um ponto de exclamação. E repito: nada mais hipócrita, nada mais cínica do que a alma do brasileiro! Já me explico, já me explico. Depois das chuvas no Rio e em São Paulo, o fato de maior realce da última semana foi o debate em torno do IPC, o Instituto de Previdência dos Congressistas. Deu-se o esperado: em matéria previdenciária, os parlamentares admitem reformar tudo. Menos o famigerado IPC. No instante em que o debate bateu às portas de sua caixa de previdência, os congressistas pisaram no freio. O IPC, como se sabe, serve para assegurar a deputados e senadores a aposentadoria após escassos oito anos de batente. Uma mamata. Ancorada nos cofres do Tesouro Nacional. Revelado o desejo do Congresso, o brasileiro deu um salto. Tomou-se de indignação. E, ao fazê-lo, trouxe à tona o lado mais obscuro de sua alma. Aproveitando-se da atmosfera carnavalesca, a chamada sociedade civil fantasiou-se de guerrilheira dos cofres públicos. Vestiu-se de Lamarca do erário. Sabe-se, porém, que a preocupação do brasileiro com o Tesouro é tão falsa quanto o ânimo reformista do Congresso. Entre nós, o que leva o sujeito a pegar em armas não é a imoralidade do privilégio. É o sentimento de exclusão. O que deixa o brasileiro irado é o fato de a aposentadoria precoce não estar pingando em seu bolso. Se estivesse realmente interessado em armar uma barricada diante dos cofres de Brasília, o cidadão não teria enviado para a capital representantes à sua imagem e semelhança. O que mata o Congresso é a proximidade entre o parlamentar e o brasileiro médio. Reclamamos do nível do Parlamento e nos esquecemos de falar do nosso. Nossa indulgência o absolve. No fundo, todo eleitor tem um Nilson Gibson enterrado dentro de si. Texto Anterior: Balanços cor-de-rosa Próximo Texto: Rindo de quê? Índice |
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