São Paulo, quinta-feira, 22 de fevereiro de 1996
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Correção: dura de morrer

CELSO PINTO

A correção monetária acabou, mas não morreu de vez.
Numa área crucial, a dos balanços das empresas, ela acabou na lei, mas não foi enterrada.
E pode acabar ressurgindo das cinzas, numa decisão que terá que ser tomada pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), no mês de março.
A lei do Plano Real, num esforço para varrer a memória inflacionária em todas as áreas, proibiu a aplicação da correção monetária nos balanços de empresas. Não há dúvida no texto da lei.
No entanto, a CVM até agora não revogou uma instrução que determinava a correção monetária das demonstrações das empresas. Teria que baixar uma nova instrução.
Não o fez até agora, pelo que se sabe, porque não está inteiramente convencida de que é uma boa idéia acabar com a correção dos balanços.
O mercado também não está. São vários, e às vezes contraditórios, os interesses envolvidos nesta questão.
Uma comissão consultiva da CVM, formada por representantes técnicos do setor privado, aconselhou a preservação da correção.
Esta poderá ser a arma técnica que a CVM precisava para poder discutir a questão internamente no governo.
O Ministério da Fazenda, autor da lei que acabou a correção, supostamente quer ver a determinação cumprida.
As empresas estão divididas em relação ao problema. As que são mais capitalizadas são a favor da manutenção da correção nos balanços, enquanto as que utilizam mais capitais de terceiros são contra.
As empresas de auditoria e os contadores também não são unânimes.
George Roth, presidente da Ernst & Young, acha que o país deve parar de pensar em termos de correção monetária. Desde que a inflação fique baixa, as distorções serão pequenas.
Já Márcio Villas, sócio da Trevisan e Irineu De Mula, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Contadores (Ibracon) e também da Price Waterhouse, ajudaram no relatório da comissão consultiva da CVM em favor da manutenção da correção monetária.
Entre bancos e operadores no mercado, existem alguns defensores de peso em favor da correção.
O que está em jogo?
A correção monetária, no caso das empresas, tinha um duplo impacto: servia para manter seus principais indicadores com um certo realismo, apesar da inflação alta, e evitava que o simples impacto inflacionário levasse a empresa a pagar mais ou menos impostos do que seria justo.
O lado fiscal está resolvido. O fim da correção monetária impede que as empresas corrijam seu patrimônio, o que poderia levar a distorções.
Para compensar, contudo, a nova lei do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas permite que a empresa deduza integralmente, como despesa, os juros pagos aos acionistas ou a terceiros.
Não é uma fórmula isenta de críticas. Alguns acham que, para as empresas capitalizadas, a nova lei induzirá a empresa a remunerar os acionistas como forma de reduzir o imposto devido e isso, no limite, poderia descapitalizar a empresa.
De forma geral, contudo, as empresas estão satisfeitas com as formas de compensar o fim da correção monetária do ponto de vista fiscal.
O que se discute, hoje, é a preservação da correção como forma de dar mais transparência e realismo aos balanços.
Este é um problema comum a qualquer país desenvolvido. Se a inflação é significativa, ainda que baixa, a não-aplicação da correção monetária pode levar algumas empresas a exibir ativos com valores irrealistas, distantes do mercado, afetando a avaliação correta do patrimônio.
O efeito é especialmente danoso, alegam alguns economistas, no caso de empresas cujo ciclo de produção é longo, como a indústria de bens de capital e de construção civil.
A não-atualização de ativos e passivos, ao longo do ciclo de produção, pode acumular distorções no final do processo.
Nos casos extremos, de empresas que são muito alavancadas com capitais de terceiros, ou muito capitalizadas, a não aplicação da correção poderia levar a distorções.
Não só em relação ao patrimônio como também ao lucro, que poderia se tornar irreal.
É também verdade, contudo, que as empresas cuja relação entre capital próprio e de terceiros é equilibrada, sofreriam muito menos distorções, especialmente se a inflação anual ficar baixa.
A CVM precisa resolver esta questão até março, porque aí começará a safra de balanços trimestrais e, hoje, as empresas não têm idéia de qual norma seguir.
A correção monetária, assim como certos heróis do cinema, é dura de morrer.

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