São Paulo, quinta-feira, 22 de fevereiro de 1996
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Livro de Alcott é editado após cem anos

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A censura conseguiu calar por cem anos o romance "Longa e Fatal Caçada Amorosa" (1866), escrito pela norte-americana Louisa May Alcott (1832-1888), consagrada autora de "Mulherzinhas".
Com publicação recusada quando foi criado -a recusa foi dos editores de Alcott, que lançariam "Mulherzinhas" dois anos depois-, o manuscrito adormeceu nos porões de uma biblioteca, abafado pelo pó de todo um século.
Ano passado, o colecionador de obras raras Kent Bicknell encontrou-o entre velhos documentos de Alcott, restaurou-o e editou-o.
Estava sacudida a poeira do que se deve considerar não apenas um bom romance mas também o verdadeiro precursor de casos como o de "O Amante de Lady Chatterley" (1928), de D.H. Lawrence, banido da Inglaterra, acusado de imoralidade e pornografia.
Rompido o silêncio, compreende-se a força desse inédito, que, se não diminui a importância do romance de Lawrence, releva o escândalo provocado pelo mesmo.
A genialidade da percepção da escritora americana só faz crescer quando se pensa no que viria depois dela. O livro de Alcott traz em estado mais que embrionário o que já estava no ar: a expressão dos anseios, dos desejos secretos de uma mulher, a inteligência feminina em estado de rebeldia.
Depois disso viria, por exemplo, a literatura rasgadamente sensual e sexual de "A Vagabunda" ou de uma "Gigi", da francesa Gabrielle Colette (1873-1954).
A história proibida de Alcott conta a experiência de uma jovem sozinha no mundo, Rosamond, e sua paixão por um homem que se revela um tirano obcecado.
Um dia Rosamond resolve fugir do concubinato em que vivia sob as ordens do tirano. No caminho, encontra o verdadeiro amor de sua vida, o padre Ignatius, que também cai de amores por ela.
O resto da narrativa é o suspense da caçada empreendida por Tempest para encontrar Rosamond. O enredo é assim simples, de artifícios de resolução quase ingênuos -no episódio final, por exemplo, Ignatius se perde de Rosamond em uma trama difícil de convencer até uma criança.
O livro é menos poderoso em certos detalhes de técnica narrativa do que no tom inovador da linguagem -que é impetuosa e brusca como o exige a firmeza de opiniões da protagonista.
O escritor americano Stephen King chamou Alcott, por isso mesmo, de a mais articulada feminista americana do século 19.
"Longa e Fatal Caçada Amorosa" é sobretudo o depoimento de uma mulher no seu limite, expondo-se com audácia e coragem na busca de liberdade e da realização.
Diante desse livro, "Mulherzinhas" representa um recuo da escritora, que precisou escrever de modo "mais simples" para agradar editor e leitor. A personagem Jô, de "Mulherzinhas", é Rosamond sublimada, resignada a expressar suas fantasias na ficção.
É mesmo uma pena que Louisa May Alcott não tenha podido viver para ver. Mais do que ninguém, ela merecia testemunhar, às vésperas do ano 2000, isso que se chama a eternidade de uma obra.

Livro: Longa e Fatal Caçada Amorosa
Lançamento: Ed. Best Seller

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