São Paulo, quinta-feira, 22 de fevereiro de 1996
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O Cidadão Pingô

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - A cidade é grande; quando nasci, muitos anos atrás, ela já dispunha de 2 milhões de habitantes. Ao contrário de outras cidades brasileiras, éramos habitantes e não almas, como geralmente acontece em Minas. E tínhamos, isoladamente, alguns cidadãos que andavam pelas ruas exercendo uma coisa espantosa para o tempo, ou para qualquer tempo: a cidadania.
Já lembrei, em crônica passada, o Novidades, ao qual os cronistas da época dedicavam atenção e espaço. O Polar foi outro cidadão popular, funcionava como o elo perdido entre o poder e o povo -naquele tempo não se dizia "sociedade", mas "povo". Sociedade era apenas no Carnaval, quando desfilavam os Fenianos, Democráticos, Pierrôs da Caverna, Tenentes do Diabo: eram as grandes sociedades.
Lendo Machado de Assis ou Humberto de Campos, tomei conhecimento desses cidadãos que andavam pelas ruas e faziam queixas, reclamações, informavam e entretiam os passantes -tudo de graça, sem apoio cultural de cervejarias.
Em criança conheci o Cidadão Pingô, que no Registro Civil era João Batista do Espírito Santo. Não havia enterro de gente importante que não contasse com a sua oratória -torrencial, emotiva e agramatical. Passava o dia na avenida, indo e vindo, dando e recebendo informações. Usava chapéu de palha, bengala, tinha sempre um cravo vermelho na lapela e fumava um charuto que nunca saía do lugar e do tamanho: estava sempre em sua boca, apagado.
Publicou dois livros: um de poemas e outro de discursos, alguns pronunciados, outros não. Foi três vezes candidato à Academia. Dizem que Ataulfo de Paiva sempre votava nele.
Houve época em que ele redigiu um manifesto e andou recolhendo assinaturas: era uma sugestão ao presidente Dutra para nomeá-lo prefeito do então Distrito Federal. O núcleo de seu programa administrativo me pareceu assombroso: colocar uma gigantesca lona em cima da cidade para impedir temporais, desabamentos e mortes. Ele reconhecia que o Rio ficaria parecido com um imenso circo. Não faltariam palhaços.

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