São Paulo, sábado, 24 de fevereiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Índia e Brasil: camisa de sardinha não dá em baleias

LUIZ PINGUELLI ROSA

O acordo nuclear firmado com a Índia, a despeito do exagero do noticiário trazendo à memória o acordo de 1975 com a Alemanha, trata de cooperação tecnológica e não propõe a construção de uma série de reatores nucleares, como os de Angra, para geração elétrica.
Restringe-se a fins não-militares e estabelece uma aliança, visando um compromisso dos países com armas nucleares para reduzirem seus arsenais, que permanecem ameaçando a humanidade após o fim da Guerra Fria.
Propus algo semelhante em seminário do Itamaraty, na véspera da viagem do presidente à Índia.
O tema fora debatido na conferência do físico Joseph Rotblat na Coppe/UFRJ, dias antes de receber o Nobel da Paz de 1995, e deve ser objeto de reunião em 1996, no Brasil, do movimento Pugwash de cientistas pela paz mundial.
É útil fazer um paralelo entre o Brasil e a Índia, "países-baleias", segundo frase de Ignacy Sachs, com recursos naturais, certa capacitação tecnológica e problemas da pobreza.
A Índia explodiu um artefato nuclear na década de 70, mas declarou não mais produzi-los. Serviu de demonstração frente à China e ao Paquistão, com os quais teve problemas.
O Brasil não tem problemas com países vizinhos, mas tinha o projeto de um teste nuclear em Cachimbo, denunciado pela Sociedade Brasileira de Física e pela SBPC, reconhecido e encerrado no governo Collor.
O Brasil, como a Índia, não assinou o Tratado de Não-Proliferação (TNP), mas referendou o Tratado de Tlatelolco, que torna a América Latina o único continente desnuclearizado.
Ademais, assinou com a Argentina um acordo de inspeções mútuas, criando agência de controle (Abacc) com apoio da Agência Internacional de Energia Atômica.
A Argentina aderiu ao TNP, renovado em 1995, sem o compromisso dos países nucleares de reduzir os arsenais. China e França explodiram bombas nucleares e os EUA desenvolvem-nas ainda.
A Índia desenvolveu reatores de fissão nuclear a urânio natural e água pesada, também usados pela Argentina, e agora estuda a tecnologia do tório, cujo isótopo 232 converte-se dentro dos reatores em urânio 233, físsil.
O Brasil tem reservas de tório e, na década de 60, criou no Instituto de Pesquisas Radioativas (hoje CDTN), em Belo Horizonte, o grupo do tório/urânio natural, abortado com a opção de comprar Angra 1 da Westinghouse, em 1969, a urânio enriquecido.
Hoje, está congelado sem verba o projeto de enriquecimento de urânio por ultracentrifugação desenvolvido na Marinha, em substituição ao de jato centrífugo, incluindo no acordo com a Alemanha, que não teve êxito.
Portanto, a política externa para a área nuclear contrasta com a política econômica, que subordina tudo à atração de capitais externos.
O Sivam foi criticado pela SBPC, a Aeronáutica está exposta na mídia, mas a limitação da participação da tecnologia brasileira decorre da condição, imposta pelo Eximbank, de que os gastos sejam na maior parte nos EUA. Esse quadro na tecnologia se repete no petróleo e na energia elétrica.
No petróleo, o governo quer, na regulamentação da emenda constitucional, preservar a Petrobrás, cuja competência técnica reconhece, mas o presidente do BNDES diz o contrário, em colisão com o presidente da República.
Um modelo de abertura do setor de petróleo que pode servir de parâmetro é o da Venezuela.
Sua estatal PDVSA fez uma série de licitações, há poucos dias, para exploração de risco, condicionada à associação da empresa multinacional com ela para a produção do petróleo.
A Petrobrás seria o instrumento natural para a política de abertura, conforme Jean-Paul Prates e Sandoval Amui, consultores de empresas privadas e multinacionais de petróleo.
Entretanto, a proposta do governo dá prioridade não à associação, mas a atrair multinacionais para competir com a Petrobrás, o que pode ser predatório, por exemplo, na importação de derivados.
No setor elétrico, a precipitação acaba afastando os investidores estrangeiros, que, em recente seminário em Miami, criticaram a ausência de regulamentação para as privatizações.
A empresa que comprou de Furnas parte da usina de Serra da Mesa, com financiamento do BNDES, pertencia ao Banco Nacional, que quebrou, e foi incorporada ao Banco Central.
O país pode perder a vantagem comparativa de energia barata, devido ao sistema hidrelétrico interligado. Na Argentina, por exemplo, turbinas hidrelétricas ficam paradas enquanto usinas privadas queimam gás natural, cujo estoque é limitado.
No caso da Light, um grupo de trabalho da UFRJ encaminhou ao ministro do Planejamento, por intermédio do governo estadual, proposta sugerindo ações no processo de privatização que defendam os interesses do Rio, sem receber resposta até agora.
O Brasil e a Índia, a qual mantém forte presença estatal no petróleo e na eletricidade, não cabem na camisinha neoliberal exportada sob medida para sardinhas.

Texto Anterior: A incrível estabilidade das nuvens
Próximo Texto: EUA registram menor taxa de crescimento desde 1991
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.