São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 1996
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A visão por uma fresta

JANIO DE FREITAS

A opacidade do governo transparente, aplicada com capricho para encobrir os aspectos sem precedentes que compõem o caso do Banco Nacional, sofreu uma perfuração pequena, mas bastante para vazar um absurdo monumental: não satisfeito com os R$ 5,8 bilhões que já aplicou em socorro ao Nacional, o governo está na iminência de novos socorros capazes de chegar a R$ 11 bilhões.
A dimensão da ajuda já concedida pode ser avaliada por comparação com a recusa do governo à correção salarial, na data-base de janeiro, dos funcionários civis e militares: a correção aumentaria os gastos governamentais, neste ano, em quase R$ 4 bilhões (o equivalente a 69% do socorro).
O gigantismo da nova ajuda em perspectiva demonstra-se pela soma de todos os investimentos previstos pelo governo, e inscritos no Orçamento, para o decorrer de 96: R$ 8 bilhões (o equivalente a 72,7% do novo socorro).
A fenda aberta no sigilo governamental pelos repórteres Inavir José Bartot e Cláudia Safatle, com algumas diferenças irrelevantes entre os dados utilizados por ambos, repõe questões que já se iam perdendo nas nebulosidades. A primeira delas é a impossibilidade de que o Banco Central não houvesse constatado, em tempo hábil, a situação gravíssima do Nacional, com rombo tão grande.
Constatou-a. Mesmo que não tivesse números precisos do buraco, ainda agora apenas provisórios, pôde constatá-la pelo volume dos empréstimos de socorro tomados pelo Nacional, inclusive no Banco do Brasil e na Caixa Econômica. Todos os razoavelmente informados sabiam do estado agônico do Nacional. E nessas situações apresenta-se um problema insolúvel no jornalismo: publica-se a informação, com risco de provocar uma corrida que feche o banco talvez ainda salvável, ou deixa-se de informar os milhares que nele têm seu dinheiro?
O Banco Central evitou as providências convencionais. Uma circunstância particular, que liga a família do presidente à dos donos do Nacional, levou-o a primeiro articular a venda do banco. Às condições especiais do negócio, que entregaram ao comprador a parte boa do Nacional e deixaram o rombo por conta do governo, somou-se a demora necessária, com o agravamento dos prejuízos que consumiram os R$ 5,8 bilhões governamentais e avançam para outro tanto.
Já teríamos, só aí, o suficiente para um escândalo imensurável se o fato se desse no governo de Sarney ou de Itamar Franco. Mas, além disso, prosseguem as diferenças tão grandes entre o tratamento dado ao Nacional e a outros bancos postos sob intervenção. A lei e as normas, também neste caso, deixaram de ser as mesmas para todos.
As operações especiais entre o Nacional e o governo não atingem só os cofres do Banco Central. O Tesouro, que é cofre público tão alegadamente empobrecido para suprir necessidades importantes e coletivas, arca com parte expressiva dos bilhões servidos ao Nacional. Por essas e muitas outras, e por mais que isso soe como coisa pessoal contra o governo e o presidente, é que não se pode engolir o pretexto da falta de recursos para fins decentes. Nem que a saída esteja nos arremedos de reforma constitucional.

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