São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 1996
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Cerco internacional minou Plano Cruzado, diz Sarney

SILVANA QUAGLIO
DA REPORTAGEM LOCAL

O Cruzado, o primeiro dos planos de estabilização econômica, que completa dez anos no próximo dia 28, foi um ato de audácia, segundo o ex-presidente José Sarney. Foi no segundo ano do seu governo que o plano foi implantado.
Para Sarney, se não fosse o cerco internacional que se fechou contra o plano, o Cruzado teria sobrevivido. Além dos organismos internacionais que negaram crédito ao Brasil, os países da região, segundo Sarney, isolaram o país no processo de negociação da dívida externa.
Sarney afirma que o maior erro de sua vida foi ter concordado com o Cruzado 2 (leia texto abaixo). "Preferia cortar minha mão do que ter assinado o Cruzado 2."
Leia a seguir os principais trechos da entrevista do ex-presidente da República, e atual presidente do Congresso Nacional, à Folha.
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Folha - Como surgiu o Cruzado?
Sarney - Soube que Israel tinha feito um plano de controle inflacionário fora dos métodos ortodoxos. Falei ao Sayad e ele mandou o Pérsio Arida em missão sigilosa a Israel. Com a volta do Pérsio, formou-se um grupo restrito que deveria me trazer uma solução.
Folha - Foi um bom plano?
Sarney - Acho que foi a coisa mais importante, sob o ponto de vista político e econômico, que já aconteceu no Brasil nesses últimos anos. O plano fugiu da solução ortodoxa, da qual o Brasil estava dependente, obrigado à recessão, criação de saldos comerciais para pagamento da dívida externa e para aumento das importações. Enfim, tudo dirigido no sentido de atender interesses de organismos internacionais. O Cruzado foi uma tentativa corajosa de romper com isso. Mas pagamos um alto preço por esse fato.
Folha - E qual a importância política do plano?
Sarney - O Cruzado fez a maior distribuição de renda que já houve no Brasil e, ao mesmo tempo, modificou a sociedade brasileira.
Folha - O "fiscal do Sarney" protagonizava o cidadão do Cruzado?
Sarney - O fiscal do presidente foi a primeira grande manifestação de cidadania coletiva no país. Abriu-se caminho para que se criasse uma sociedade democrática, que hoje é a força que temos no país. Tenho certeza que, ainda hoje, se perguntarmos ao povo brasileiro qual foi o período mais feliz que ele passou na vida, ele vai dizer que foi no Cruzado.
Folha - Um período curto...
Sarney - O que o povo condena é o plano não ter durado.
Folha - E por que não durou?
Sarney - Acho que o problema não foi de correção, mas de correção errada. Com o Cruzado 2 fizemos uma correção totalmente errada. Adotamos a fórmula de aumentar o IPI de cinco produtos, achando que não iam contaminar a economia porque eram consumidos por classes mais altas. Mas contaminou. O Cruzado 2 foi o maior erro que cometi na vida.
Folha - Por quê?
Sarney - Até hoje não sei o que fez com que caminhássemos naquele sentido. Sendo político e não técnico, acabei caindo no erro técnico, o que foi também um erro político.
Folha - Faltou orientação técnica da sua equipe, então?
Sarney - O ministro Sayad foi o único que vislumbrou que esse era um caminho errado. Foi contra a vontade dele.
Folha - O que o sr. faria diferente, se pudesse voltar no tempo?
Sarney - Preferia cortar minha mão do que ter assinado o Cruzado 2.
Folha - Para o sr., foi feito tudo que era possível?
Sarney - Seguíamos um caminho. Mas o problema não é o déficit, é o financiamento do déficit.
Folha - O Real é melhor do que o Cruzado?
Sarney- O Real não seria possível sem o Cruzado, que foi quem abriu a possibilidade de sairmos da fórmula ortodoxa de recessão e aquela que o FMI pregava como solução. O Real não fez congelamento de preços, mas fez a URV. E, diferentemente do Cruzado, o Real está recebendo um apoio internacional fantástico.

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